Quem vai ao Manuelzinho, em Brasília, costuma estar em busca de bom vinho e boa comida portuguesa, herdadas da experiência de décadas que o dono, Manuel Pires, acumulou como maître do Antiquarius, no Rio de Janeiro. Mas os frequentadores de uma noite de quarta-feira, dia que costuma ser quente no Congresso, geralmente estão em busca de algo mais. Ao contrário de outras boas mesas de Brasília, o Manuelzinho quase nunca está cheio; pelo contrário. Lá, é possível que deputados, senadores, lobistas e empresários que decidiram pernoitar na capital federal consigam uma mesa discreta para estender as articulações políticas que não couberam no horário comercial. Talvez tenha sido por isso que, nessa quarta, 12 de novembro, o Manuelzinho foi escolhido para o encontro de Eduardo Cunha, Arthur Lira e… Guilherme Derrite.
Ontem foi um dia tumultuado para Derrite. A semana, aliás, não tem sido fácil. Na terça, 11, ele teve de comunicar uma mudança de posição em relação ao que havia anunciado sobre o relatório do PL Antifacção — o texto apresentado pelo governo para trazer respostas ao problema da violência urbana — e entregue por Hugo Motta à direita — Derrite — para ser relatado. O texto ficou bem mais próximo do que queria o governo e com quase nada do que a direita pretendia incorporar a ele.
Na quarta, após não conseguir um acordo com o PL e com o PT para votar o desidratado texto proposto na véspera, o PT não quis; governadores da direita também entraram na articulação para adiar a votação do projeto. A movimentação foi considerada a segunda derrota, na mesma semana, para o deputado e secretário de Segurança Pública de São Paulo, que se licenciou do cargo para assumir a relatoria do projeto.
A paternidade de Derrite no PL Antifacção é um grande ativo político para seus planos pessoais — de se candidatar ao Senado por São Paulo em 2026 — e para Tarcísio de Freitas, que pode ser candidato ao Palácio do Planalto contra Lula na próxima eleição. Mais que isso: uma vitória dele poderia ser interpretada também como uma vitória política de uma direita ávida por boas notícias para fazer frente à prisão de Jair Bolsonaro, ao tarifaço de Eduardo Bolsonaro e à fragmentação às vésperas de um ano eleitoral. Mas não tem sido assim, ao menos até agora.
Derrite, Cunha e Lira chegaram pouco antes das 22h ao Manuelzinho. Pediram um Vinha Grande, da Casa Ferreirinha, uma das mais tradicionais do Douro. É um vinho barato para o que entrega. Os três beberam num ritmo que nem aproveitaram. Pediram uma segunda garrafa. E bacalhau.
Conversaram sobre o PL Antifacção, mas não só. Quem passava por perto não conseguia ouvir com clareza todos os temas. Derrite pode ser garoto novo nesse tipo de ambiente, mas Cunha e Lira sabem moldar os decibéis ao sabor do assunto que conversam. Os três, ontem, falavam baixo.
A coluna tentou perguntar o que haviam papeado. Por volta da meia-noite, já desta quinta, 13, os seguranças dos deputados, que aguardavam do lado de fora, foram avisados pelo maître de que os três haviam pagado a conta. Sairiam tão logo terminassem o vinho. Chegada a hora, Derrite, Cunha e Lira foram abordados de novo. Qual havia sido o assunto à mesa? Não responderam.
O secretário de São Paulo se despediu dos ex-presidentes da Câmara com um aperto de mão e seguiu para o carro. Ao ser questionado, novamente, sobre o conteúdo da conversa e se a articulação pela aprovação do PL Antifacção contava com a astuta consultoria de Cunha e Lira, Derrite não desviou o olhar e entrou no carro. “Não vou falar nada”, disse, antes de deixar o Manuelzinho.
(PlatoBR)