As
próximas eleições terão fatores inéditos. A doação de empresas para
campanhas políticas foi vetada e ninguém parece saber como será
o financiamento dos candidatos. Outra situação nunca vista pode
acontecer se a presidente Dilma Rousseff sofrer impeachment
pelo Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral tiver que decidir se
continua a julgar um processo de cassação de chapa no qual o réu é
apenas o vice. À frente dos dois processos estará o ministro Gilmar
Mendes, recém-eleito presidente do Tribunal Superior Eleitoral (a posse
será em maio). Gilmar Mendes assume Justiça Eleitoral em meio à maior crise desde a redemocratização.Sobre a eleição sem financiamento por empresas, ele se diz preocupado
e prevê um salto no escuro. Quando o Supremo Tribunal Federal, corte da
qual faz parte desde 2002, determinou a inconstitucionalidade das
doações de pessoas jurídicas, ele foi voto vencido. Agora, irá liderar o
processo eleitoral em um modelo do qual discorda. Mas as questões sobre a eleição municipal estão na fila de espera. Ele assume o TSE em um momento em que a pressão pelo impeachment
da presidente parece arrefecer e isso faz com que as atenções se voltem
para a corte, que já está analisando pedido de cassação da chapa de
Dilma e seu vice, Michel Temer. O processo ainda está na fase de
instrução inicial e o ministro prevê que o julgamento será no início do
ano que vem, mas existe a possibilidade de ser ainda no final de 2016.
“Em um ou dois meses teremos um prognóstico mais preciso”, prevê. Caso o impeachment
seja aprovado no Congresso, será aberta a discussão se o processo que
pede a cassação da chapa continuará a correr no TSE ou não. Gilmar não
antecipa sua posição e afirma que existem entendimentos para ambos os
lados e que a decisão será tomada após a exposição dos argumentos.
Apesar de suas críticas públicas ao Partido dos Trabalhadores, diz não
se sentir de nenhuma forma impedido a julgar um caso que envolva a
sigla. O ministro esteve na noite de quinta-feira (7/4) na sede
paulista do Instituto de Direito Público para mediar um debate sobre os
40 anos da Constituição de Portugal junto a dois professores de
além-mar. Em entrevista à revista Consultor Jurídico
após o seminário, ele logo esclareceu que não tem cabimento a teoria
segundo a qual a cassação teria de ser unânime ou por seis votos a um no
TSE. Basta ter o quórum de sete ministros e maioria, mesmo que seja
quatro a três, explica. O ministro é coordenador científico da
instituição. Ao responder uma pergunta sobre a possibilidade de criar
uma constituinte exclusiva para fazer uma reforma política, relembrou
que a proposta já apareceu após as manifestações de junho 2013. “Eu
falei para um membro do alto escalão do governo na época: vocês estão
parecendo enfermeiros que nunca viram sangue, porque cogitaram convocar
uma constituinte para uma reforma política por causa de protesto por
melhoria em ônibus em São Paulo", disse Gilmar. Dirigindo-se ao autor da
pergunta, o líder do Movimento Brasil Livre e aluno do IDP, Kim
Kataguiri, disse: "Você deve saber melhor que eu o que os protestantes queriam”, arrancando risadas dos presentes. As listas de CPFs
Com a nova regra de financiamento de eleições, paira no ar como será
possível fazer campanha só com o fundo partidário e com doações de
pessoas físicas, em um momento de profunda desconfiança da sociedade
para com a classe política. Gilmar já falou que isso abre a
possibilidade para a criação de um "laranjal, ou seja, listas de CPF que
seriam utilizadas para pessoas físicas receberem dinheiro de caixa dois
e repassarem como doação para os partidos. “Em geral o
financiamento é pensado em função do modelo eleitoral. O que nós
decidimos? Proibir a doação privada mantendo o sistema eleitoral
pré-existente. Então isso pode gerar uma grande confusão. Vai ser um
teste, um desafio, Em algum momento, logo depois disso, venhamos a ter
uma reforma política para fazer os ajustes necessários”, refletiu. A
prática descrita como "lavagem de dinheiro via Justiça Eleitoral", que
veio à tona com a recente delação do ex-presidente da Andrade Gutierrez
Otávio Azevedo, não é novidade, mas ganhou proporções inéditas, diz
Gilmar Mendes. Segundo a delação, para serem escolhidas em obras
estatais, as empresas pagam propina aos partidos por meio de doação
legal. “É uma situação séria que nos obriga a discutir a reforma do
sistema político, não só o financiamento como a reforma do sistema como
um todo”, diz o presidente eleitor do TSE. Judiciário de fora
Para opinar sobre a possibilidade de o Poder Judiciário dar aval para que o Legislativo interferisse no Executivo,
Gilmar lembrou o caso do ex-prefeito de Toronto (no Canadá) Rob Ford.
Em 2013, o então prefeito foi flagrado fumando crack, admitiu o uso da
substância e levou o Legislativo municipal à loucura. Queriam o impeachment,
mas era impossível. Por lá, a posse dessa substância não é crime e
apenas com a tipificação de um crime ele poderia ser retirado do cargo. “Crimes
comuns muitas vezes vão se configurar como crime de responsabilidade.
Mas nem todo crime de responsabilidade se traduz num crime comum. Então
não acho que devemos proceder assim, com esse aval do Judiciário. Nós
adotamos o modelo norte-americano, no qual existe o crime político.
Assim, duas casas políticas, Câmara e Senado, julgam um crime de
responsabilidade. E veja que os tipos são muito largos: cometer crime
contra lei orçamentária, contra o decoro das funções. A rigor isso não
seria crime no sentido penal. Como também acontece com congressistas. Já
tivemos um parlamentar que foi cassado por ter se deixado fotografar de
cueca. Entendeu-se que era um atentado ao decoro parlamentar. A
probidade administrativa é um conceito muito mais amplo. Não precisa ser
necessariamente um caso de corrupção. Mas pode ser de omissão,
conivência com situações de improbidade”, afirmou Gilmar. Quando a normalidade chegar
Por fim, ele falou dos vazamentos, uma epidemia que tem permeado os
processos legais. Nem repórter nem entrevistado citaram o juiz Sergio
Moro, responsável pela operação "lava jato", mas a contundência de
Gilmar Mendes é clara: “Essa é uma questão que nós vamos ter que
discutir. O vazamento de delação, vazamento de grampo telefônico...
Muitas vezes têm abuso de autoridade nesses casos. Nesse caso das
ligações telefônicas foi descumprimento da lei. Claro que isso não é o
ideal e precisa ser criticado. A gente percebe que as normas que temos
não são eficazes. Instaura-se processo, inicia-se uma investigação e não
se chega a lugar nenhum”. Gilmar parece se planejar para a
calmaria que vem após a tempestade. Mais uma vez evoca o futuro
pós-conflito como uma época para revisões. “Os vazamentos são um
problema e num quadro de normalidade temos que discutir isso. E fixar
prazos para que o sigilo subsista, porque depois a pressão é imensa para
o conhecimento público”, concluiu.