As movimentações tomadas até agora prenunciam uma migração para outras siglas de lideranças hoje acomodadas nas mesmas legendas, mas integrando grupos opostos internamente. Essa conjuntura se formou principalmente pelo racha da aliança histórica entre PDT e PT no Ceará que marcou as eleições do ano passado no Estado e desaguou em uma reconfiguração de forças que deve se consolidar no pleito municipal do próximo ano.
A movimentação para realinhar aliados na véspera de pleitos é uma das características da política cearense, principalmente em se tratando do grupo político que atualmente está em xeque, liderado pelo senador Cid Gomes (PDT).
Quem faz essa análise é o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Basta a gente pegar a questão das migrações dos Ferreira Gomes. Desde que Cid ocupou o Governo do Estado, temos essas migrações partidárias no grupo dele, o grupo vai se mudando completamente de um partido para outro e vai esvaziando aquele que estava anteriormente”, acrescenta.
MIGRAÇÃO DOS FERREIRA GOMES
O senador, principal articulador do clã, está em seu sexto partido. Ele já passou pelo PMDB (hoje MDB), PSDB, PPS, PSB e Pros. Atualmente, o parlamentar integra os quadros do PDT. Essas mudanças de sigla de Cid não são casos isolados. Cada mudança do líder político foi acompanhada por verdadeiros êxodos de aliados, que desembarcam de um partido e assumem a maioria de outro.
Conforme Cleyton Monte, outro aspecto que motiva essas articulações é o “situacionismo” da política cearense.
EFEITOS DE 2022
Após o racha entre PT e PDT no pleito de 2022, o próprio grupo pedetista deu sinais de desidratação com a saída em massa de prefeitos. Já o PT, que saiu fortalecido com a eleição de Elmano de Freitas (PT) para o Governo ainda no primeiro turno, sob liderança do atual ministro da Educação, Camilo Santana (PT) e do presidente Lula (PT), deve ser o destino da maioria desses políticos.
Inclusive, na visita do presidente ao Crato, na última sexta-feira (12), alguns prefeitos e vereadores sem partido (egressos de siglas como o PDT) acompanharam o evento. Além do PT, outras siglas têm atraído integrantes do arco de aliança. O Republicanos, por exemplo, sigla oposicionista, vive uma guinada governista e agora é presidido pelo ex-senador Chiquinho Feitosa, aliado de primeira ordem de Camilo Santana.
Já o Podemos, que também era oposição e abrigava nomes como o do senador Eduardo Girão — atualmente no Novo —, agora é liderado pelo prefeito Bismarck Maia, um dos principais aliados de Cid Gomes. Outros mandatários que já integraram o PDT também devem desembarcar na sigla agora governista. Quem ficou na legenda, como Glêdson Bezerra, prefeito de Juazeiro do Norte, tem feito sinalizações de reposicionamento político.
Para Cleyton Monte, com o racha interno do PDT desde o ano passado, as próximas eleições devem marcar um novo tipo de migração entre os partidos, já que a sigla, dividida, ainda acomoda a maior quantidade de prefeitos e vereadores no Estado.
“Desde a última eleição que não há uma perspectiva de (migrar) todos para o mesmo partido. A gente tem ali uma distribuição, então você tem os partidos que são da base aliada do governador Elmano de Freitas, e esses partidos vão recebendo lideranças políticas e isso, claro, passa muito pelo pelo cálculo da política local”, aponta.
“Por exemplo, se filiar ao partido do governo pode valer a pena em um determinado município, mas em outro não. Essas migrações levam muito em consideração a próxima eleição, no caso a municipal, e muitas vezes você tem dois ou três aliados do governador no mesmo município. O cálculo leva em conta, além da proximidade do poder, a política local”, conclui.
PSB, PROS E OS FERREIRA GOMES
Mais recentemente, essas migrações partidárias ficaram marcadas nas articulações políticas lideradas pelos irmãos Cid e Ciro Gomes, que passaram a distribuir seus aliados também em outros partidos, ramificando os arcos de aliança.
Esse fenômeno foi estudado pelo cientista político Raulino Pessoa, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), em sua tese “Articulação entre as instâncias partidárias: o caso do PMDB, PT e PSDB do Ceará nas eleições de 2012 e 2014”.
“Quando Cid chega ao PSB o partido tem o crescimento repentino no Ceará, que agora passa a ser o partido governista. Depois, essa ala dos Ferreira Gomes migra para o Pros, então, mesmo com o governador eleito sendo do PT, o Pros tem a maior representatividade”, aponta.
“Em 2018, se mantém nesse mesmo cenário, o PT reelegendo o governador, mas o Pros segue com maioria, até que esses integrantes do Pros vão para o PDT. Em 2022, o PT volta a eleger o governador, mas o partido que tem mais deputados, 13 ao todo, é o PDT”, acrescenta Raulino.
LIDERANÇAS E LIDERADOS
Em outubro de 2013, quando o clã Ferreira Gomes decidiu se filiar ao Pros, além de Ciro, candidato a presidência, e Cid, então governador, o partido ganhou ainda o vice-governador Domingos Filho, o prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, o presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Zezinho Albuquerque, e mais 37 prefeitos, 8 deputados estaduais, 5 deputados federais e 287 vereadores, sem contar as lideranças sem cargos, mas integrantes do grupo.
Esses políticos, que seguiram no comando do Estado, da Prefeitura da Capital e do Legislativo estadual, ainda fizeram movimento semelhante para o PDT, sigla que tinha inclusive integrantes históricos da oposição, como o ex-deputado estadual Heitor Férrer (hoje no União Brasil).
Com a saída de tantas lideranças, a tendência é que o partido seja desidratado. No caso específico do Pros, o partido ainda abrigou o grupo político oposicionista liderado por Capitão Wagner (União Brasil). Ele se filiou à sigla em 2018 e só deixou o partido para presidir a legenda que comanda atualmente.
Hoje, a legenda não possui deputados, sejam federais sejam estaduais, eleitos no Ceará. Dos três prefeitos eleitos pela sigla em 2020, apenas um, Professor Marcelão, de São Gonçalo do Amarante, segue na sigla.
Já na década de 1990, o PSDB assumiu o Governo, sob comando de Ciro Gomes. Em 1992, o partido chegou ao seu auge no Estado, “conseguindo eleger 50% dos prefeitos e vereadores. Nos dois pleitos seguintes, em 1996 e 2000, apresentou pequena redução, mas diminuição de capilaridade no plano local ocorreu a partir das eleições de 2004”, aponta Raulino Pessoa em sua tese.
“Já quando Tasso ganha em 1986, com 60%, ele chega com essa rede de apoio dentro do PMDB montada pelo governista. Depois, Tasso migra para o PSDB e leva a base para o partido recém-criado. O PSDB teve uma longa hegemonia desde 1990, quando o Ciro foi governador, até a última eleição em 2006 (com governo de Lúcio Alcântara, derrotado por Cid)”, explica Raulino.
Na tese, o pesquisador aponta os dados eleitorais que indicam essa tendência de fortalecimento das forças governistas no Ceará. “Percebemos isso com clareza comparando os resultados das eleições de 2008 e 2012: a agremiação (PSDB) reduziu a quantidade de prefeitos eleitos, de 54 para 13, e de vereadores, passando de 343 para 177”, relata o pesquisador.
“Por ter nascido como partido do governo, o PSDB apresentou em seu primeiro embate eleitoral grande quantidade de candidatos próprios, que alcançava mais de 80% dos municípios. Essa alta oferta de candidatos foi mantida durante o período em que ocupou o Executivo estadual (1990-2006). Porém, a partir do momento em teve o infortúnio de ser oposição nos planos federal e estadual, diminuiu o lançamento de candidatos próprios no plano local, tornando-se uma legenda pouco atrativa para políticos profissionais”, acrescenta.
FORÇA PARTIDÁRIA
Para Raulino, apesar desse fortalecimento dos grupos políticos no Ceará, há prejuízos em termos partidários, já que as siglas funcionam apenas para abrigar temporariamente algumas lideranças e seus liderado.
Diário do nordeste