segunda-feira, 27 de maio de 2019

HÁ 100 ANOS, SOBRAL PÔS EINSTEIN NA HISTÓRIA

Há cem anos, um grupo internacional de astrônomos conseguiu comprovar os postulados da Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. Superou quase dois séculos de física newtoniana e catapultou o cientista alemão ao posto de maior celebridade global da ciência. De quebra, os pesquisadores inscreveram o município brasileiro de Sobral, no Ceará, e a Ilha de Príncipe, na África, na história da ciência mundial.

“O problema concebido pela minha mente foi respondido pelo luminoso céu do Brasil”, escreveu Einstein (que não participou do experimento em Sobral e, cem anos depois, ganhou uma estátua na cidade), em uma dedicatória feita ao empresário Assis Chateaubriand, em 1925, em visita ao Rio.

As duas remotas localidades - pelo menos do ponto de vista dos britânicos do início do século 20 que organizavam as expedições - eram os lugares mais privilegiados do planeta para a observação do eclipse total do Sol previsto para 29 de maio de 1919. E os cientistas estavam dispostos a ter a melhor visão possível do fenômeno astronômico. Suas observações poderiam provar - ou refutar - a mais revolucionária ideia já apresentada na ciência moderna.

A curvatura
Na teoria apresentada em 1915, Einstein argumentava que a gravidade não era uma força que atuava sobre os objetos, como Isaac Newton havia proposto. Em vez disso, propunha Einstein, a massa dos objetos é que fazia com que o espaço se curvasse. Dessa perspectiva, um corpo em órbita do Sol se deslocaria em linha reta, mas em um espaço curvado pela massa da estrela. E até mesmo um feixe de luz sofreria um desvio ao passar por esse trecho curvado do espaço.

“Naquele momento, o que precisava era de uma prova específica de que sua teoria estava correta, e o eclipse ofereceu essa oportunidade”, contou a astrônoma Carolin Crawford, do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, em entrevista ao Estado. “O fenômeno daquele ano era especialmente propício ao experimento porque era de longa duração (foram mais de cinco minutos de eclipse), dando tempo de sobra para o registro fotográfico.”

A observação de um eclipse hoje é corriqueira. Há um século, quando o mundo ainda se recuperava da 1.ª Guerra Mundial, porém, os recursos para a ciência eram escassos, a tecnologia fotográfica era ainda primitiva, e o calor úmido daquelas regiões interferia no bom funcionamento dos instrumentos.

O Reino Unido organizou duas expedições de observação do fenômeno. Uma, encabeçada por Arthur Eddington, seguiu para a Ilha do Príncipe. A outra, com Charles Davidson e Andrew Crommelin, foi para Sobral. Ambas deveriam estudar determinadas estrelas da constelação de Touro, em frente às quais o sol eclipsado passaria.

Se a posição aparente dessas estrelas fosse alterada em relação à imagem padrão disponível delas, isso indicaria que a massa do Sol estava causando uma curvatura no espaço - como previsto por Einstein. Para desespero de Eddington, o dia amanheceu nublado e chuvoso em Príncipe, o que impediria o registro do eclipse. Conforme a manhã avançava, no entanto, o tempo melhorou. O astrônomo conseguiu registrar 16 imagens do fenômeno. Mais tarde, descobriu que apenas duas serviam a seus propósitos.

Enquanto isso, em Sobral, o dia amanheceu aberto. Os cientistas britânicos, brasileiros e americanos, que estavam havia dois meses no município preparando a experiência, conseguiram 27 fotos do eclipse. No entanto, constatou-se que todas as 19 imagens feitas pelo telescópio principal estavam fora de foco. Aparentemente o calor dos trópicos desregulou o instrumento. Felizmente, outras oito imagens feitas por um telescópio secundário estavam perfeitas. 

Experimento
“Foi muito importante ter duas expedições separadas fazendo a mesma experiência com telescópios diferentes. Além disso, dada a questão do tempo, o fato de estar sendo feita em duas regiões diferentes do planeta funcionaria como backup uma da outra”, resumiu a astrônoma britânica. “No fim das contas, a expedição brasileira teve problemas com o seu telescópio principal, e o tempo na Ilha de Príncipe estava fechado. O resultado final da experiência foi baseado no material das duas equipes.”

Finalmente, em 6 de novembro daquele ano, os cientistas anunciaram oficialmente os seus resultados. “Revolução na ciência: nova teoria do universo supera ideias de Newton”, era a manchete do jornal britânico The Times, do dia seguinte. “Triunfa a teoria de Einstein”, cravou o The New York Times. “Além de ser um fato científico extremamente relevante, o experimento projetou Einstein, que até então era conhecido apenas por seus colegas, no cientista mais conhecido de todos os tempos”, afirmou o físico brasileiro Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Para se ter uma ideia da importância da comprovação da teoria de Einstein, sem ela, a Teoria do Big Bang - sobre a explosão primordial que deu origem ao Universo - jamais poderia ter sido postulada.

Foram as proposições do cientista alemão que permitiram, muito tempo depois, o funcionamento do sistema de GPS, que localiza aparelhos na Terra a partir dos satélites. No mês passado, outra foto histórica fechou o chamado século da gravidade. Era a imagem inédita de um buraco negro.

“O buraco negro nada mais é do que um caso extremo de curvatura do espaço, uma curvatura tão grande, uma gravidade tão intensa, que a luz fica presa ali, nem ela consegue escapar”, explica a astrônoma Thaisa Storch-Bergmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Infelizmente, Einstein não viveu o suficiente para ver mais essa confirmação de suas teorias.”

Festa
Para comemorar os cem anos do eclipse, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está organizando uma conferência em Sobral, com pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Na próxima semana, será lançado um selo especial dos Correios e haverá uma transmissão simultânea das comemorações em Sobral e Ilha do Príncipe. Em março, em preparação para o centenário, a prefeitura de Sobral inaugurou uma estátua de Albert Einstein.


Fonte: O Estado de São Paulo