Por Carlos Dias
Cada
poeta pinta seu autoretrato com as letras antropomorfas que deseja. Esta
semana, em Sobral, no meio de uma tarde, na ausência da sombra, encontrei-me
com um amigo. O poeta Emanuel. Jogamos frases ao sol. Falamos dos tempos
esquecidos. Da época em que não censurávamos as palavras. Dos anos em que
pisávamos no tempo e não sabíamos da existência da morte.
Pedi
notícias dos poemas, Emanuel olhou para trás, como quem procura as derradeiras
palavras e disse que a inspiração secou. Descobri que Emanuel transformou-se...
Formado em Ciências Contábeis, as ocupações do cotidiano não davam espaços para
“brincar de rimar”.
O
Sol continuou a insistir. A mostrar que não era apenas figurante em nossa
conversa. A rigidez do Sol nos fez lembrar da ausência da chuva. Fazendo com
que nossa conversa escorresse para discutirmos sobre a seca.
Emanuel
antecipou-se, fez-me lembrar das secas de anos anteriores. Das que ele conhecia
por ter vivido e das que conhecia por ter ouvido ou lido as histórias. Emanuel
prosseguiu, falando com a autoridade de quem versa sobre o assunto. Tentou
mostrar-me que o Brasil mudou. Que as secas de hoje não são como as de outrora.
Que as pessoas já não sofrem tanto com a ausência da chuva. Que as dores
sociais da estiagem já não são tão sentidas em nosso cotidiano. Que O Quinze
transformou-se em ficção descontextualizada. Emanuel despediu-se e deixou-me
exposto às dores do Sol e com uma ponta de sede.
Retornei
ao meu cotidiano sem afobo. Mas timidamente discordando de Emanuel. Divergindo
de mim comigo. Quieto como quem discorda de mãe. Não quero... Não posso...
Fazer das minhas interrogações um contraponto à eloquência de Emanuel. As
palavras falam e é melhor que não escutem.
Será
se estou enxergando torto? Não vejo a seca envelhecer. A miséria se tornar
ultrapassada. O que consigo visualizar é menos gente no campo, fazendo com que
uma avalanche de miseráveis construam favelas na zona urbana. Criando campos de
concentração recheados de violência e drogas. Tudo em nome de estatísticas
conceituais. Cuja previsão defende que a imigração do campo representa
desenvolvimento social.
Enquanto
isso, o pouco continua muito. A pequena parte da população campestre prossegue
suplicando por água. Vivenciando os descasos governamentais, que esperam a
escassez chegar, ferir os limites da hombridade de um ser humano para depois
agirem feito deuses piedosos que amparam com gotas d’água a sede de uma
família. Tirando de cada sertanejo a capacidade do autosustento. E o pior, normalmente,
uma esmola vem seguida da exigência de uma promessa.
Estou
enxergando torto. Já estou na época de censurar as palavras. Não posso mais
pisar no tempo. Já tenho consciência da existência da morte. Não é prudente
discordar de meu amigo Emanuel.
Caso
esteja lendo este artigo, não divulgue. Por favor, não comente sobre este
pequeno lapso de discórdia, com o ex-poeta Emanuel.