Advogados e professores de Direito entrevistados pela Conjur foram unânimes em elogiar a decisão do ministro Gilmar Mendes de proibir as conduções coercitivas de investigados. O ministro do Supremo Tribunal Federal considerou a prática de levar investigados à força para depor inconstitucional, por violar a liberdade de locomoção e a presunção de não culpabilidade.
O termômetro da classe jurídica mostra que havia o sentimento de que as conduções eram feitas para prejudicar a defesa do investigado. Na decisão, Gilmar afirma que não existe obrigação legal de comparecer a interrogatório, e por isso “não há possibilidade de forçar o comparecimento”. E como a investigação é um momento anterior à instauração do processo, a condução coercitiva viola os incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal.
Veja o que disseram:
Lenio Streck, jurista
Corretíssima a decisão. Divirjo apenas da parte em que o Ministro não anular as provas. Para mim, se as conduções ferem a Constituição, então qualquer prova decorrente da condução forçada será nula, írrita, nenhuma. São os frutos da árvore envenenada. De todo modo, é um avanço garantista. Depois de mais de 200 conduções ilegais na operação lava jato, a decisão é uma luz no fim do túnel.
Guilherme Octávio Batochio, advogado
O ministro Gilmar Mendes é a voz mais altissonante que tem se levantado contra o arbítrio que se instalou no País. Merece todos os elogios por sua coragem na defesa do Estado Democrático de Direito. A proibição da condução coercitiva vem em boa hora para coibir os abusos que vinham sendo praticados, diga-se ilegalmente, por autoridades mal formadas. O CPP é de meridiana clareza ao dispor que condução só em caso de recusa no comparecimento, aí compreendida prévia notificação. Basta ler a lei. E não se venha dizer que condução coercitiva é substituição de prisão temporária, porque uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Se a detenção não se fazia necessária, ela não se fazia necessária e ponto final.
Alberto Zacharias Toron, advogado
Decisão muito bem vinda. Quebra a espinha dorsal de uma forma autoritária de se investigar. Essa decisão tem mérito de não sujeitar o Supremo aos caprichos da presidente, que não pautou esse processo, que estava pronto para ser julgado. É uma decisão marcada pela coragem do ministro Gilmar Mendes. Discordo dele em um ponto, e acho que a condução existe sim para bagunçar a defesa. É digna de aplausos essa decisão, pelo conteúdo, uma verdadeira aula, e pela coragem. Não basta ser douto, é preciso coragem.
Leonardo Isaac Yarochewsky, advogado
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes proibindo as famigeradas conduções coercitivas representou, antes de tudo, uma vitória do Estado de Direito, da Legalidade e da Cidadania. Razões mais que suficientes para que seja corroborada pelo Pleno do STF.
Nos últimos anos a condução coercitiva acompanhada pelos holofotes da mídia serviu para constranger, humilhar e condenar previamente o conduzido/investigado, sem que lhe fosse assegurado o direito ao silêncio e de não se autoincriminar. O princípio da presunção de inocência foi atropelado pelas inúmeras conduções coercitivas determinadas a margem da lei.
Fernando Hideo Lacerda, advogado
As conduções coercitivas vinham sendo decretadas ilegalmente com o propósito de inviabilizar a defesa, extrair delações mediante sequestro e constranger investigados à humilhação em um espetáculo punitivista.
Interrogar alguém coagido sem prévia intimação é uma forma de uma forma de burlar a proibição de investigações sigilosas, impedindo que o investigado tenha tempo e meios adequados para se defender.
Tais conduções violam a literalidade do Código de Processo Penal (art. 260) e são a própria negação das garantias constitucionais do devido processo legal, presunção de inocência, ampla defesa e vedação à autoincriminação. A decisão é liminar e ainda não resulta em anulação de interrogatórios pretéritos, que deverão ser objeto de ações autônomas e específicas. Em todo caso, pode simbolizar o início de uma retomada da legalidade e lealdade à Constituição Federal por parte do STF.
Verônica Sterman, advogada
Acertada a decisão do ministro Gilmar Mendes na ADPF 444, não só pelo brilhantismo de seus fundamentos, como também para a retomada do curso das investigações em respeito ao Estado Democrático de Direito.
De uns anos para cá, as conduções coercitivas vem sendo utilizadas como um “prêmio” (às avessas) aos investigados, que a despeito de muitas vezes se colocarem de antemão à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e terem seus pleitos ignorados, deveriam ficar “felizes” por não terem contra si decretadas medidas mais drásticas como a prisão cautelar. Já era hora de se retomar o respeito às garantias processuais e aos direitos fundamentais.
Alexandre Morais da Rosa, juiz
Decisão que reconhece a legalidade e transparência das investigações, impedindo o uso tático da condução coercitiva, típica manifestação despropositada da força estatal. Demorou, mas chegou
Pierpaolo Cruz Bottini, advogado
Necessário. A condução coercitiva não tem respaldo em lei, algo inadmissível em se tratando de restrição à liberdade
Eduardo Kuntz, advogado
É lamentável que tenha que chegar ao Supremo um tema óbvio ululante fazendo com que se desperdice tempo e dinheiro e deixe diversos outros processos importantes de lado para tratar de uma questão tão simples e que enquanto estava sendo utilizada afrontava de forma bizarra do direitos e garantias constitucionais dos cidadãos bem como A Carta Magna e o código de processo penal
Davi Tangerino, advogado
O que se vê é o abuso de coercitivas em inquéritos. Demais disso, é preciso ter havido alguma intimação prévia, frustrada, o que não é o caso dos casos que, em última análise, desaguaram na decisão de GM. Certa, portanto, a decisão do Ministro. Especialmente diante de uma leitura constitucional do CPP: o interrogatório é ato de defesa e, além disso, o silêncio é uma faculdade do réu, que não pode ser usado em seu desfavor. Totalmente autoritário, pois, conduzir alguém coercitivamente que (i) não fora previamente intimado; e que (ii) poderá ficar em silêncio, sem disso lhe decorrer ônus processual (ou mesmo substantivo).
Leonardo Sica, advogado
Juridicamente, decisão óbvia, sem controvérsia: a lei proíbe essa “nova” condução coercitiva tal como utilizada nas “operações”. Sobra populismo e cinismo àqueles que criticam a decisão dizendo que “aumentará o número de prisão”. Esses críticos são atores políticos travestidos de profissionais do direito, usam a condução coercitiva como forma de expandir os próprios poderes sem previsão legal.
Alaor Leite, advogado
A decisão é correta. Também o Direito viu-se invadido pela eufemismo como forma contemporânea de comunicação: prisão para averiguação tornou-se condução coercitiva. O mercado de trabalho chama empregados de “colaboradores”, e os cursos de pós graduação não têm mais preço, mas “investimento”. No Direito, há que se prezar pelos conceitos da lei. Condução coercitiva do acusado é aquela que ocorre ou nos termos do art. 218, para a testemunha, ou nos termos do art. 260, ambos do Código de Processo Penal, “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado”. Não existe, assim, condução coercitiva de surpresa, por mero capricho ou conveniência das autoridades persecutórias. Além disso, especialmente o art. 260 está superado diante de várias reformas processuais, que não impõem ao acusado dever de comparecer ao interrogatório. Fora das hipóteses da lei, portanto, há que se encontrar outro nome para essa medida processual – e desconfio de que a imemorial prisão para averiguação lhe cairia bem.
À malversação das conduções coercitivas soma-se o número excessivo de prisões processuais. Não há como avaliar genericamente se as prisões são abusivas, mas há algo evidente: as formas de prisão processual, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, viraram a regra. Aqui, chama a atenção um insondável ato de prestidigitação: os acordos de colaboração premiada raramente preveem cumprimento de pena definitiva em regime fechado. Assim, a prisão processual transformou-se não apenas em regra, mas em prisão por excelência.
Cristiano Zanin, advogado
A liminar do STF que proíbe as conduções coercitivas para investigados está em absoluta sintonia com as garantias estabelecidas na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir, em especial, a presunção da inocência e a impossibilidade de restringir a liberdade de locomoção fora das hipóteses estabelecidas em lei. A única crítica é que diversas conduções coercitivas foram indevidamente realizadas até que a liminar tenha sido apreciada.
Pedro Serrano, advogado
Decisão é adequada à Constituição e ministro nada mais fez que aplicar a legislação de forma adequada.
Augusto De Arruda Botelho, advogado
Foi uma decisão triste e muito importante. Triste porque tivemos que esperar um pronunciamento de nossa corte maior sobre um tema quase óbvio: a condução coercitiva só pode existir se o investigado demonstrar que pretende se furtar a um depoimento. Importante porque coloca freios em um gritante abuso que estava se tornando corriqueiro.
Miguel Pereira Neto, advogado
Demorou. Depois de três anos de continuada arbitrariedade, mais de 200 “conduções coercitivas”, depois de todos os alertas e brados, resolveu-se somente agora ir direto ao STF. A medida drástica era aplicada quando a parte nunca fora intimada a depor espontaneamente, em forma ilícita. A liminar é corretíssima. Espera-se não serem as prisões temporárias utilizadas em substituição às conduções coercitivas e sem preenchimento dos requisitos legais, em igual constrangimento ilegal. O ideal é se fazer uma faxina nessas excrescências típicas do estado de exceção e usadas como se lícitas fossem.