Compreensível que Bolsonaro tenha se apresentado, ontem pela manhã, com cara de sono diante de um grupo de seus seguidores no cercadinho do Palácio da Alvorada, e confessado, sem que ninguém lhe tivesse perguntado: “Brochei”. E sorriu.
Ele dorme pouco. Costuma entrar pela madrugada no closet do seu quarto agarrado a um celular, lendo nas redes sociais o que dizem a seu respeito e disparando mensagens para os filhos e assessores. Enquanto isso, Michelle ressona na cama do casal.
Ao amanhecer, os dois foram acordados por uma ligação que Bolsonaro atendeu. Era o ministro Anderson Torres, da Justiça, com a notícia de que a Polícia Federal prenderia em instantes o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. Foi um choque para os dois.
Bolsonaro pensava ter a Polícia Federal sob controle desde que Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, pediu demissão. Michelle acreditava piamente na inocência de Ribeiro, pastor evangélico, seu amigo, demitido do cargo por Bolsonaro em março último.
Naquela ocasião, Michelle dissera a um grupo de jornalistas:
“Eu amo a vida dele. Deus sabe de todas e vai provar que ele é uma pessoa honesta, justo, fiel e leal. Estou orando pela vida dele.”
A vida de Ribeiro não corria risco, mas a reputação, sim. A pedido de Bolsonaro, Ribeiro conferiu tratamento especial aos pastores evangélicos Arilton Moura e Gilmar Santos, que passaram a gerir parte do bilionário orçamento do Ministério da Educação.
Os dois condicionavam a liberação de verbas para prefeituras ao pagamento de comissões em dinheiro vivo, barras de ouro, ou na compra de exemplares da Bíblia. Tudo pela obra do Senhor. Uma edição especial da Bíblia trazia fotos de Ribeiro.
Embora tenha demitido Ribeiro, seu quarto ministro da Educação em pouco mais de 3 anos de governo, Bolsonaro, pressionado por Michelle, saíra em socorro dele:
“Boto minha cara, minha cara toda no fogo por Milton”.
Mudou de tom depois da prisão do ex-ministro:
“Peço a Deus que ele não tenha problema algum”.
Orientado por seus conselheiros, Bolsonaro elogiou a Polícia Federal e disse que a prisão de Ribeiro e dos pastores, e a apreensão de documentos no ministério, eram uma prova de que ele jamais interferiu na polícia como acusam seus adversários.
Isso não quer dizer que Bolsonaro abandonou Ribeiro. Não pode fazê-lo. Teme que ele e os pastores, caso se sintam abandonados, negociem uma delação premiada com a Polícia Federal e contem o que poderá também comprometê-lo. Seria o seu fim.
Foi ideia de Bolsonaro, ou de Michelle, não se sabe, acionar o advogado Daniel Bialski, em São Paulo, para que defendesse Ribeiro. Bialski é advogado de Michelle em ações onde ela processa quem a ataca nas redes. Ribeiro ligou para ele às 6h.
A Polícia Federal descobriu um depósito de R$ 60 mil feito por um parente do pastor Arilton na conta da mulher de Ribeiro. Bialski já encontrou uma explicação: a mulher de Ribeiro tinha um carro à venda, o pastor soube e um parente do pastor comprou-o.
Lembra algo? Em agosto de 2020, soube-se que Fabrício Queiroz, operador do esquema da rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro que era deputado estadual no Rio, depositou na conta de Michelle a módica quantia de 89 mil reais em 27 parcelas.
Michelle nunca disse nada sobre isso. Bolsonaro disse que o dinheiro era de uma dívida contraída por Queiroz junto a ele. Por que os depósitos foram feitos na conta de Michelle? Ora, porque Bolsonaro não tinha tempo para fazer saques na própria conta.
Com Bialski ao lado de Ribeiro, Bolsonaro saberá tudo em primeira mão e poderá de longe orientar o comportamento do seu ex-ministro que, hoje, deverá ser interrogado pela Polícia Federal.
(Noblat)