Para especialistas ouvidos pelo Metrópoles, o medo deve inibir a participação mais efetiva dos eleitores no processo político, o que fragiliza a democracia. Eles também dão orientações para minimizar os riscos sem abrir mão de exercer o direito de expressar preferência por determinado candidato ou partido.
O cenário é tenso. Apenas nos primeiros seis meses do ano (portanto, sem contar a morte de Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, que já foi em julho), o Brasil registrou 214 casos de violência política, indica levantamento do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro divulgado na última segunda (11/7). É um número 32% maior do que os casos registrados no primeiro semestre de 2020, último ano com eleições, quando foram 161 episódios.
Nesse levantamento, violência política é “qualquer tipo de agressão que tenha o objetivo de interferir na ação direta das lideranças políticas”; incluindo ameaças, agressões físicas ou verbais e atentados/assassinatos.
A polarização radicalizada traz riscos para eleitores que decidem usar uma camiseta ou boné de seu candidato, adesivar o carro ou a casa e sobretudo criticar adversários, avalia o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sergio de Lima.
Ele compara a esdrúxula situação ao cotidiano vivido por brasileiros que vivem em áreas dominadas pelo crime organizado ou pela milícia. “Quem vive nesses locais, onde o Estado não consegue exercer seu poder, sabe que não deve, por exemplo, usar roupas com cores identificadas com facções rivais, pois isso trará risco de vida. Agora, algo parecido com essa sensação passa a ser sentido em qualquer lugar do país”, afirma ele.
“E o risco aumenta se o militante estiver sozinho ou fizer parte de grupos vulneráveis. Se for mulher, se for negro, a pessoa vai temer mais ainda se manifestar em uma série de situações. E isso é muito preocupante, pois o que está sendo inibido é o direito à liberdade de expressão, o direito de ir e vir se a pessoa estiver com um boné de partido. Isso tira a vitalidade da democracia, porque democracia não pode ser apenas o ato de votar, tem que incluir o direito de debater, de se manifestar”, acrescenta Lima.
Risco maior do que em 2018
De acordo com o professor de sociologia Arthur Trindade, da Universidade de Brasília, a violência política não é uma novidade no Brasil, sobretudo em disputas locais, mas a situação tem se agravado. “Não podemos ignorar esse problema, que é real e que piorou desde 2018, por exemplo, quando já houve episódios de extrema gravidade, como o atentado contra o então candidato Bolsonaro, que foi esfaqueado”, lembra ele, que é coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da UnB e já foi secretário de Segurança Pública do DF, no governo de Rodrigo Rollemberg (PSB).
Para Trindade, só um esforço conjunto dos concorrentes a cargos eletivos pode reduzir a temperatura dessa fervura. “E notinha de repúdio não vai adiantar”, avalia ele. “Enquanto os candidatos, principalmente Bolsonaro, não forem à TV e disserem que não apoiam esse tipo de coisa, pedirem para que seus apoiadores não saiam de casa para brigar, o nível de tensão só vai aumentar”, avalia o especialista.
Enquanto a tensão seguir crescendo à medida que a campanha avança, Arthur Trindade avalia que eventos políticos como caminhadas, comícios e motociatas poderão ser alvos de ataques. Só nas últimas semanas, dois eventos com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, foram atacados; primeiro por um drone que jogou líquido fedido e depois por uma bomba caseira. Em ambos os casos, os responsáveis foram identificados e presos.
Reconhecendo o momento perigoso, o próprio PT pediu a seus militantes que não respondessem a provocações e que levassem roupas reservas de cor neutra para ato com Lula em Brasília na terça (12/7).
Presidente, governador e senador: veja quem são os pré-candidatos nas Eleições 2022
Outros cuidados
Além dos cuidados sugeridos pelo PT, os especialistas ouvidos pelo PT sugerem aos militantes que evitem discussões com opositores e que façam mobilizações políticas de preferência em grupo. Ações como a do policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, que é bolsonarista e provocou os participantes de uma festa com temática do PT antes do desfecho trágico do último sábado (9/7), são altamente desencorajadas.
Efeito contrário
O cientista político Rui Tavares Maluf, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), concorda com o impacto amedrontador que a violência política pode causar nos brasileiros, mas lembra que há grupos que vão ver nesse cenário de tensão um incentivo para se mobilizar ainda mais.
“Vemos isso pelas experiências do Brasil com regimes autoritários, [como a ditadura militar entre 1964 e 1985]. A repressão e a proibição podem ser elementos motivadores para grupos opositores, que buscam aumentar sua organização e seu alcance quando são desafiados”, afirma ele, em conversa com o Metrópoles.
“Acho que isso também vai acontecer este ano, mas espero que os grupos tenham a maturidade de não cair em provocação rasteira de adversários. Para isso, seria importante uma mudança de postura de um presidente que diz pregar liberdade e democracia, mas que na verdade estimula essa violência política, que é o Bolsonaro”, completa ele, que também faz a cobrança aos demais candidatos.
“Eles todos precisam entender que o líder é um facho de luz para seus seguidores”, conclui Rui Tavares Maluf.
Fonte:
Metrópoles