segunda-feira, 7 de maio de 2012

POR CARLOS DIAS: FELICIDADE INTERNA BRUTA (FIB)

O caminhar pelas ruas de uma cidade nos faz sentir que a urbe está viva. Ao mesmo tempo nos faz refletir que fazemos parte dessa vivência.
Há cerca de um mês atrás, caminhava pelas entranhas dos logradouros sobralenses, justamente seguindo os rastros dessa vivência, quando em súbito me deparei com a morte.
Um menino de 17 anos caiu aos meus pés. Suplicou socorro. O tempo foi curto. A facada foi profunda. O “garoto” morreu.
Numa questão de instantes, dezenas de pessoas circulavam o garoto, aliás, o “defunto”.
Existiam os curiosos: Olha aí. Quem é?” “O quê foi?”.
Aproximaram-se, também, os conhecedores do fato: “foi tentar assaltar um comércio, o proprietário foi e deu uma facada bem nos peito dele”. “Bem feito se todo mundo fizesse assim os rôbo ia diminuir”. “Vagabundo é prá tá é morto mesmo”. “O comerciante não tem culpa. Ele é uma vítima”.
Com a mesma brevidade, chegaram os conhecidos e familiares do garoto-defunto: “Nós não sabia que ele tava metido nisso”. “Pobe da mãe fazia tudo por ele”. “Ele não era um mau menino”. “O pai falou tanto pra ele se sair dessas amizade ruim”. “Quem fez uma onda dessa com ele vai pagar”. “O cara que faz um negócio desse é um assassino”.
De pernas bambas, com o olhar tropo e assustado, tentei continuar o meu caminho. Apressei o passo na mesma velocidade dos pensamentos invasivos: “A vítima tornou-se o assassino? O assassino tornou-se vítima? Ou a vítima sempre foi um assassino e o assassino sempre foi uma vítima? Quem eram a vítima e o assassino daquela ocasião?”
Subi os degraus da igreja da ressurreição como quem paga uma penitência. Do alto, por cima da(s) cabeça(s) da cidade é possível observar que todos nós somos vítimas e assassinos da nossa própria convivência social.
Do elevado da ressurgência as luzes da cidade refletiam o progresso. O crescimento urbano, a supervalorização dos terrenos e dos imóveis, a formação de um polo industrial, o crescimento populacional. Enfim, o retrato de uma cidade em desenvolvimento...
Na contramão desse olhar, o aumento do uso de drogas, da violência urbana, da miséria escancarada, do abandono do campo e do homem do campo. Por fim, do argumento grotesco que tudo isso é normal e que faz parte do progresso. Que é o preço que se paga para aumentarmos o Produto Interno Bruto (PIB).
Foi quando me lembrei de tudo que pesquisei sobre o Butão. Um pequeno país localizado no Himalaia, entre a Índia e a China, um dos mais belos países do mundo.
Neste país o indicador sistêmico de desenvolvimento é a FIB- FELICIDADE INTERNA BRUTA. Onde o cálculo de “riqueza” é baseado na premissa de que o objetivo principal de uma sociedade não deveria ser somente o crescimento econômico, mas a integração do desenvolvimento material com o psicológico, o cultural e o espiritual, procurando sempre a harmonia com a Terra.
A FIB não é apenas um indicador, meramente, teórico. Ele possui suas nove dimensões que servem de base estrutural para as pesquisas e a partir de então, desenvolve-se as estratégias de sua aplicabilidade social. As dimensões são: bem-estar psicológico; saúde; uso do tempo do cidadão; vitalidade comunitária; educação formal e informal; cultura; meio ambiente; governança e padrão de vida.
Em virtude desta leitura social que o Butão vem desenvolvendo, as Nações Unidas concederam a este país o prêmio de campeão da Terra.
Lugares como o Canadá, Tailândia e o “Brasil” já desenvolveram conferências internacionais sobre a FIB. Cidades paulistas como Itapetininga, Angatuba, Campinas e até mesmo um setor privado como a Natura Cosméticos já desenvolvem projetos pilotos que tem como base as nove dimensões da FIB.
Considerando as estratégias da FIB e do nosso cenário atual, onde vítimas e assassinos se confundem, quem sabe este seja o momento de descermos a escada da igreja da Ressurreição e revermos os procedimentos administrativos que estamos utilizando para estancar o sangue que escorre das veias abertas existente nas ruas e nos campos de nossa cidade. Pois como dizia o filósofo francês Victor Hugo: “Não há nada mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”.
Além disso, estamos passando do tempo de reavaliarmos a ideia de que precisamos crescer economicamente, de qualquer modo, para sermos mais felizes. Acreditar nisso é acreditar em matar o paciente para curar a doença. Pois como profere a filósofa Onora O’ Neill: “A democracia pode nos mostrar aquilo que é politicamente legítimo; mas não pode nos mostrar o que é eticamente justo”.
Por fim, não sei quem, mas alguém já disse: “Felicidade é um subproduto do esforço para se fazer alguém feliz”.     (Artigo Publicado no Correio da Semana)