O
caminhar pelas ruas de uma cidade nos faz sentir que a urbe está viva. Ao mesmo tempo nos faz
refletir que fazemos parte dessa vivência.
Há cerca de um mês atrás,
caminhava pelas entranhas dos logradouros sobralenses, justamente seguindo os
rastros dessa vivência, quando em súbito me deparei com a morte.
Um menino de 17 anos caiu aos
meus pés. Suplicou socorro. O tempo foi curto. A facada foi profunda. O “garoto”
morreu.
Numa questão de instantes,
dezenas de pessoas circulavam o garoto, aliás, o “defunto”.
Existiam os curiosos: “Olha aí. Quem
é?” “O quê foi?”.
Aproximaram-se, também, os
conhecedores do fato: “foi tentar assaltar um
comércio, o proprietário foi e deu uma facada bem nos peito dele”. “Bem feito se
todo mundo fizesse assim os rôbo ia diminuir”. “Vagabundo é prá tá é morto
mesmo”. “O comerciante não tem culpa. Ele é uma vítima”.
Com a mesma brevidade,
chegaram os conhecidos e familiares do garoto-defunto: “Nós não sabia que ele tava metido nisso”. “Pobe da
mãe fazia tudo por ele”. “Ele não era um mau menino”. “O pai falou tanto pra ele
se sair dessas amizade ruim”. “Quem fez uma onda dessa com ele vai
pagar”. “O cara que faz um negócio desse
é um assassino”.
De pernas bambas, com o olhar
tropo e assustado, tentei continuar o meu caminho. Apressei o passo na mesma
velocidade dos pensamentos invasivos: “A vítima
tornou-se o assassino? O assassino tornou-se vítima? Ou a vítima sempre foi um
assassino e o assassino sempre foi uma vítima? Quem eram a vítima e o assassino
daquela ocasião?”
Subi os degraus da igreja da
ressurreição como quem paga uma penitência. Do alto, por cima da(s) cabeça(s) da
cidade é possível observar que todos nós somos vítimas e assassinos da nossa
própria convivência social.
Do elevado da ressurgência as
luzes da cidade refletiam o progresso. O crescimento urbano, a supervalorização
dos terrenos e dos imóveis, a formação de um polo industrial, o crescimento
populacional. Enfim, o retrato de uma cidade em desenvolvimento...
Na contramão desse olhar, o
aumento do uso de drogas, da violência urbana, da miséria escancarada, do
abandono do campo e do homem do campo. Por fim, do argumento grotesco que tudo
isso é normal e que faz parte do progresso. Que é o preço que se paga para
aumentarmos o Produto Interno Bruto (PIB).
Foi quando me lembrei de tudo
que pesquisei sobre o Butão. Um pequeno país localizado no Himalaia, entre a
Índia e a China, um dos mais belos países do mundo.
Neste país o indicador
sistêmico de desenvolvimento é a FIB- FELICIDADE INTERNA BRUTA. Onde o cálculo
de “riqueza” é baseado na premissa de que o objetivo principal de uma sociedade
não deveria ser somente o crescimento econômico, mas a integração do
desenvolvimento material com o psicológico, o cultural e o espiritual,
procurando sempre a harmonia com a Terra.
A FIB não é apenas um
indicador, meramente, teórico. Ele possui suas nove dimensões que servem de base
estrutural para as pesquisas e a partir de então, desenvolve-se as estratégias
de sua aplicabilidade social. As dimensões são: bem-estar psicológico; saúde;
uso do tempo do cidadão; vitalidade comunitária; educação formal e informal;
cultura; meio ambiente; governança e padrão de vida.
Em virtude desta leitura
social que o Butão vem desenvolvendo, as Nações Unidas concederam a este país o
prêmio de campeão da Terra.
Lugares como o Canadá,
Tailândia e o “Brasil” já desenvolveram conferências internacionais sobre a FIB.
Cidades paulistas como Itapetininga, Angatuba, Campinas e até mesmo um setor
privado como a Natura Cosméticos já desenvolvem projetos pilotos que tem como
base as nove dimensões da FIB.
Considerando as estratégias da
FIB e do nosso cenário atual, onde vítimas e assassinos se confundem, quem sabe
este seja o momento de descermos a escada da igreja da Ressurreição e revermos
os procedimentos administrativos que estamos utilizando para estancar o sangue
que escorre das veias abertas existente nas ruas e nos campos de nossa cidade.
Pois como dizia o filósofo francês Victor Hugo: “Não há nada mais poderoso do
que uma ideia cujo tempo chegou”.
Além disso, estamos passando
do tempo de reavaliarmos a ideia de que precisamos crescer economicamente, de
qualquer modo, para sermos mais felizes. Acreditar nisso é acreditar em matar o
paciente para curar a doença. Pois como profere a filósofa Onora O’ Neill: “A
democracia pode nos mostrar aquilo que é politicamente legítimo; mas não pode
nos mostrar o que é eticamente justo”.
Por fim, não sei quem, mas
alguém já disse: “Felicidade é um subproduto do esforço para se fazer alguém
feliz”. (Artigo Publicado no Correio da Semana)