Importante destacar: a violência que gera mortes de civis, como na ofensiva do Hamas, não deve ser justificada sob nenhum ponto. O objetivo aqui é compreender a razão que faz os palestinos recorrerem à violência para lutar por libertação nacional. E a razão principal é a violência colonial sionista-israelense.
Este é o ataque palestino mais letal desde o início da colonização sionista-israelense da Palestina no final do século 19. Foi a primeira vez, desde 1948 (quando o estado de Israel foi criado por meio de um processo de limpeza étnica), que palestinos retomaram território expropriado pelos israelenses.
As escolonização, como muitos palestinos têm lembrado desde sábado, não é uma metáfora, não é um discurso, não é uma teoria acadêmica, mas um ato material de retomada de terra, libertação e autodeterminação. A questão é que, aos povos colonizados, como os palestinos, muitas vezes não resta outra alternativa a não ser a violência. Frantz Fanon, intelectual martinicano ativo na libertação anticolonial da Argélia contra a França nos lembra: o colonizador cede apenas com a faca no pescoço.
As descolonizações, ao longo da história, sempre envolveram, em maior ou menor grau, formas de violência por parte dos povos colonizados. Isso porque o colonialismo é a representação da violência pura. E a única linguagem que ele compreende, segundo o mesmo Fanon, é a violência. O intelectual martinicano acrescenta: a violência ainda é essencial para a humanização do colonizado. Para a sua transformação em novos homens e mulheres que deixem de ser objetificados e animalizados pelo colonizador.
Algo muito similar é dito pelo intelectual C.R.L. James sobre a libertação dos haitianos contra os mesmos franceses e por Rosemary Saiygh. Ela mostra como os refugiados palestinos que viviam sob opressão do Líbano em campos de refugiados se sentiram humanizados quando guerrilheiros palestinos pegaram em armas e assumiram o controle dos campos para lutar por sua libertação e retorno à Palestina.
O resultado do levante dos palestinos no Líbano foi o massacre de Shabra e Shatila, em 1982. A milícia libanesa formada por cristãos maronitas de direita, a Kataib, aliada de Israel na Guerra Civil do Líbano, assassinou entre 800 e 3,5 mil palestinos, incluindo idosos e crianças. O ataque contou com apoio das tropas israelenses que ocupavam Beirute sob a anuência do então ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon.
Esse foi o mais famoso de uma série de massacres que os israelenses provocaram contra os palestinos. Essa é a realidade da Palestina desde a Nakba, que é o termo em árabe para catástrofe, que os palestinos utilizam para designar a tragédia que o seu povo sofreu no processo de criação de Israel e da Guerra Árabe-Israelense de 1948-1989. Isso porque, além da expulsão em massa e da criação da diáspora palestina (são aproximadamente 7 milhões de refugiados espalhados pelo mundo), aconteceram diversos massacres contra a população nativa.
O maior deles ocorreu no vilarejo de Dawayima, perto de Hebron, quando 145 palestinos foram executados por militares israelenses, em 29 de outubro de 1948. Mas o massacre mais famoso aconteceu no vilarejo de Deir Yassin, próximo a Jerusalém. Na ocasião, integrantes das milícias sionistas de direita Gang Stern e Irgun mataram 110 palestinos – incluindo 30 crianças – depois que a liderança palestina do vilarejo fez um acordo de não agressão com a principal milícia sionista, a Haganah.
O ataque provocou pânico nos palestinos dos vilarejos do entorno e causou a fuga de milhares durante as operações israelenses de conquista de Jerusalém. Os massacres contribuíram decisivamente para o que o historiador israelense Ilan Pappe chamou de processo de “limpeza étnica” na Palestina.
(The Intercept Brasil)