Semanas antes do Carnaval de 2025, um assunto dominava as rodas de conversa dos ricos e famosos: a estreia do camarote Café de La Musique Alma Rio na Marquês de Sapucaí. À frente do negócio estava Álvaro Garnero, empresário carioca que fez carreira na noite, administrando boates em São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. O motivo de tanta expectativa era que, diferentemente de outros camarotes carnavalescos, o Alma Rio nascia com a premissa de não vender ingressos. O espaço de 2,5 mil m² era destinado exclusivamente a amigos do dono e a amigos desses amigos – gente conhecida e bem conectada.
Só de fora do Brasil, eram esperadas pelo menos trezentas pessoas. O investimento no camarote foi de 40 milhões de reais – mesmo valor que o governo do estado desembolsou para bancar o desfile como um todo, com dinheiro para as escolas e a manutenção da Sapucaí. Garnero se cercou de gente influente para viabilizar o projeto. Entre os seus sócios estava Alessandra Pirotelli, dona da empresa Camarote Brasil, que negocia justamente as concessões de espaço na Sapucaí. Pirotelli, além disso, é tia de Gabriel David, que vem a ser o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), entidade que organiza o desfile e dá as cartas no Carnaval carioca.
Uma parte expressiva do lucro da Liesa vem do aluguel de camarotes, somado a uma porcentagem do ingresso de cada um dos pagantes. Não é pouco dinheiro. Por mais que Garnero seja um próspero homem de negócios, especulava-se que provavelmente havia um patrocinador por trás de sua festa luxuosa. E havia mesmo, como se revelou mais tarde: era Daniel Vorcaro.
A participação do então dono do Banco Master ficou clara quando ele apareceu na Sapucaí para desfrutar do investimento. Vorcaro foi patrocinador master do camarote e recebeu regalias à altura. No terceiro e último andar do Café de La Musique Alma Rio só entrava quem tinha uma pulseira especial, distribuída pelo próprio Vorcaro, que andava com várias delas no bolso para entregar a quem lhe desse na telha. O banqueiro comandava um camarote dentro do camarote.
Garnero organizou um festival à parte das escolas de samba. Montou um lineup estrelado. Estavam lá o DJ britânico Fatboy Slim (com cachê de 150 mil dólares), o DJ alemão Adam Port (200 mil dólares), o DJ italiano Marco Carola (80 mil dólares) e mais um DJ britânico, Damian Lazarus (50 mil dólares). Os artistas brasileiros eram Alok (500 mil reais), Seu Jorge (300 mil reais) e Marcelo D2 (100 mil reais), entre outros. Ao menos para os DJs, a missão era dupla: se apresentar para o público que não tinha a pulseira especial de Vorcaro e, depois, apenas para o público que tinha. Primeiro os VIPs, depois os super VIPs.
O camarote pagou cachê não só para os músicos, mas também para convidados estrelados – uma estratégia para atrair marketing espontâneo e interesse da imprensa. Esses participantes deluxe voaram para o Rio vindo de cidades como Londres, Paris, Nova York e Miami, com passagens de primeira-classe ou executiva. A eles, foram disponibilizados carros blindados, segurança e serviços de maquiador e cabeleireiro. A modelo russa Irina Shayek, que desfilou pela Beija-Flor (a escola de Gabriel David), recebeu 200 mil dólares para aparecer no camarote. Candice Swanepoel, modelo da Victoria’s Secret, foi outra ilustre convidada, assim como a atriz Marina Ruy Barbosa, contratada para o posto de “musa”. Na pista, viam-se figuras das artes, da tevê e do mercado financeiro, como Luciana Gimenez, João Silva, Alexandre Accioly, Rodrigo Santoro, Márcio Garcia, Rico Mansur e Cesca Civita. O bufê era comandado pela chef Morena Leite, com open bar de champanhe Perrier-Jouët.
O banqueiro caiu na festa. Curtia o som ao lado dos DJs, enquanto a festa e o desfile rolavam paralelamente. Sua namorada, a influenciadora Martha Graeff, circulava pela frisa e por todos os andares do camarote acompanhada de uma equipe com fotógrafo, cinegrafista e maquiador.
O banqueiro se esforçou para atrair um público internacional para a folia por meio de suas conexões com o casal David e Isabela Grutman. Ele é um empresário americano, ela, uma modelo brasileira. David é conhecido como o Rei da Noite de Miami, dono de casas noturnas e restaurantes na cidade onde vive com a mulher. Entre seus sócios estão figuras como David Beckham e Lionel Messi. “Ao investir no Carnaval, Vorcaro quis agradar clientes e potenciais investidores estrangeiros”, disse uma pessoa ligada ao banqueiro, que pediu para não ser identificada.
Vorcaro, naquele março que agora parece longínquo, desfrutava de status e poder. Comemorava a compra de uma propriedade luxuosa em Trancoso, na Bahia. O imóvel pertencia até então ao casal Sandra e Sergio Habib, presidente da JAC Motors, e custou ao banqueiro 280 milhões de reais. O Master, embora já estivesse cercado de suspeitas, voava alto. No final daquele mês, foi anunciada a sua compra pelo BRB (Banco de Brasília), numa transação de 2 bilhões de reais. O negócio se arrastou por meses e foi reprovado pelo Banco Central em setembro.
Na noite de segunda-feira (17), Vorcaro foi preso pela Polícia Federal enquanto tentava deixar o país pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos. Horas antes, havia sido anunciada a compra do Master pela holding financeira Fictor, em conjunto com um consórcio de investidores árabes. O banqueiro foi alvo de uma operação que investiga a venda de títulos de crédito falsos. O diretor da PF, Andrei Rodrigues, estimou que as fraudes do Master podem ter movimentado até 12 bilhões de reais.
Sem poder contar com o patrocinador de peso, que, neste momento, encarcerado e às voltas com a lei, tem problemas mais urgentes do que a contratação de DJs, Álvaro Garnero mudou os planos de seu Carnaval. O Café de La Musique Alma Rio estará na Sapucaí em 2026, mas com um novo conceito: passou a vender ingressos, para que haja algum faturamento. O caráter exclusivo, de certo modo, ao menos no marketing foi preservado. Só poderá comprar os ingressos quem receber um link exclusivo, segundo informa o site do camarote. O lineup e outros detalhes ainda não foram anunciados. Procurado pela piauí, Garnero não respondeu aos pedidos de entrevista.
(Revista Piauí)