SOBRAL
(CE) — Com uma barriga de quase sete meses, Diana Torres Matos, de 27 anos,
assistiu com o marido ao show que Ivete Sangalo fez no último 18 de janeiro em
comemoração ao que seria a inauguração do Hospital Regional Norte, em Sobral,
no interior do Ceará. Deixou de lado o cansaço que teve durante a gestação para
dançar. Saiu da apresentação feliz e voltou para a casa de três cômodos, perto
do hospital. Menos de uma semana depois, a pressão subiu muito e ela teve de
ser internada às pressas com sinais de pré-eclâmpsia na Santa Casa da cidade.
Por um
momento, Diana pensou que usaria as instalações novinhas em folha. Mas, ao ser
levada de carro para a Santa Casa, viu que o hospital ainda estava em obras —
para complicar, na semana
passada, uma parte da estrutura da fachada desabou após uma
chuva forte e deixou uma pessoa ferida. . No dia do show de Ivete, autoridades
foram ao local comemorar a entrega da unidade.
Internada,
ela soube que as condições da UTI neonatal para onde foi levada eram precárias.
Diana teve um parto complicado. O pequeno Jonas não resistiu e morreu menos de
24 horas após nascer. Meias, macacões e touquinhas de diversas cores estão
guardados num dos armários sem porta de seu quarto. O berço e o guarda-roupa
ela conseguiu devolver para a loja. Ao lembrar o rosto do menino, Diana chora.
— Não
paro de pensar que, se o Regional estivesse pronto, talvez meu filho estivesse
aqui comigo, e não só em foto, ainda assim tirada quando ele já havia falecido
—diz ela, amparada por uma amiga, também grávida e ansiosa para que o hospital
seja entregue até o mês que vem, quando nasce seu primeiro bebê.
Movimento
de pedreiros
O GLOBO
percorreu na segunda-feira o interior do Hospital Regional Norte, propagandeado
em 50 mil folhetos, segundo o governo, e no microfone também usado por Ivete
como o maior hospital do interior nordestino. Mais de um mês após o show, a
população não pode contar com seus serviços. Nada funciona. Nem a UTI neonatal
que poderia ter salvado Jonas. Os equipamentos estão nas salas, desligados,
macas fora do lugar, balões de gás empilhados.
O único
movimento nos corredores é de pedreiros, pintores, colocadores de pastilha e
piso, engenheiros e poucos funcionários da prefeitura e do governo. Alguns
homens trabalham também na recolocação da marquise da entrada do prédio, que
não resistiu à chuva e desabou uma semana depois do show de inauguração. Uma
parte do chão também cedeu, mas na área externa. O complexo tem 57 mil metros
quadrados e ocupa o espaço onde funcionou um parque de exposições.
“A coisa
aqui está complicada”
O governo
informou ontem que, na verdade, o cronograma de entrega dos serviços começaria
apenas nesta quinta-feira, quando a população poderia começar a agendar
cirurgias eletivas. Só agendamento. Tudo vai ser em etapas. O ambulatório, por
exemplo, só será entregue em abril. As internações começam em abril. Quem
precisar de emergência terá que esperar até 20 de maio, quatro meses depois do
show de inauguração do hospital, em que o governo bancou cachê de R$ 650 mil à
cantora, transação agora investigada pelo Ministério Público do Ceará.
Ontem,
cerca de cem homens se dividiam nas tarefas, desde pintura de rodapé à
instalação elétrica dos equipamentos da Unidade de Terapia Intensiva. Havia
quem distribuísse máquinas copiadoras pelas salas da administração, muitas sem
interruptor, e buracos para colocação de spots de luz e ar-condicionado.
A área
que servirá para atender a emergência — apenas em maio, lembra a Secretaria
estadual de Saúde — resume-se a um amontoado de cadeiras de roda, caixas de
papelão com equipamentos lacrados e pilhas de cadeiras.
O governo
não abriu mão da limpeza. O GLOBO observou 15 mulheres varrendo, passando pano
no chão e limpando as janelas, de onde se observam salas vazias ou só com uma
cadeira. Técnicos faziam testes na central de ar-condicionado.
— A coisa
aqui está complicada — disse um dos engenheiros antes que o repórter se
identificasse.
Do lado
de fora, no humilde bairro de Junco, os moradores acompanham à movimentação. A
cabeleireira Claudiane Sabino Viana, de 22 anos, grávida, espera o nascimento
de João Arthur para maio. Diz que reza todos os dias para que o Regional já
esteja funcionando. Segundo o cronograma, o centro de obstetrícia deve começar
a funcionar apenas no fim de de abril.
— De nada
adianta um prédio tão bonito como esse se não tem serventia, né? — diz ela, ao
lado do marido, Francisco Portela, fazendo figa para que o filho nasça em
instalações melhores que as da Santa Casa. (O Globo)