Emendas parlamentares não são uma exclusividade da política brasileira. Trata-se de um mecanismo orçamentário comum em democracias. Com elas, deputados e senadores conseguem encaminhar recursos para o cumprimento de propostas em suas bases, muitas vezes em regiões afastadas do radar do governo federal. Além disso, funcionam como meio de negociação para parlamentares da minoria, que conseguem utilizar sua parcela das emendas como moeda de troca por apoio em seus projetos de lei.
Essas emendas originalmente eram divididas em quatro categorias: as individuais, cuja destinação fica a critério de cada parlamentar; as de bancada, definidas em conjunto pelas bancadas estaduais e regionais; as de comissão, definidas pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado; e as de relator (RP9), de origem mais recente, definidas conforme critérios do relator geral do orçamento, selecionado anualmente.
Esse tipo de emenda foi criado com a premissa de permitir ao relator corrigir falhas técnicas na elaboração do orçamento anual. Em dezembro de 2019, o Congresso Nacional tentou tornar obrigatória a aplicação desses empenhos, proposta recusada pelo presidente Jair Bolsonaro, que voltou atrás quando recebeu um texto semelhante do ministro da Secretaria-Geral do Governo, Luiz Eduardo Ramos.
A justificativa de Ramos, na mensagem oficial enviada ao presidente, seria de melhor direcionar recursos para saneamento básico em municípios com menos de 50mil habitantes, aprimorar os procedimentos de execução orçamentária das autarquias ligadas a programas de desenvolvimento e otimizar o controle e execução nos repasses de projetos públicos dos entes federativos.
Orçamento secreto
Em 2020, as emendas de relator passaram a funcionar com as novas regras propostas por Ramos, que foram alvo de críticas. Um desses críticos é o deputado Aliel Machado (PV-PR), que ressalta que o problema não está na imposição em si. “Em momentos em que o governo se mantém inerte e não apresenta projetos, a participação direta do parlamento na execução do orçamento acaba se tornando necessária”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
Essa possibilidade de preenchimento de eventuais vácuos do Executivo, porém, vem acompanhada de uma armadilha: o risco de parlamentares solicitarem emendas de forma anônima. “Isso se tornou uma brecha para as solicitações ficarem às escondidas. Quem quer ajudar seu município não tem o que esconder, mas quem quer fazer algo errado, encontra ali um caminho para se ocultar”, alertou.
Em maio de 2021, foi revelado o primeiro escândalo de corrupção utilizando as emendas de relator, em uma investigação do Estadão que deu origem ao termo “orçamento secreto”. A possibilidade de solicitar emendas utilizando critérios próprios e sem revelar o próprio nome permitiu com que diversos parlamentares realizassem compras superfaturadas ou realizassem obras que trouxessem apenas benefícios pessoais, às vezes fora de seus estados. Na investigação, foi destacado o “tratoraço”: uma compra de trator por mais de 200% de seu valor, utilizando recursos do poder executivo.
O próprio Aliel Machado é um dos deputados que investigam o escândalo das Escolas Fake: a destinação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação, atualmente mantido em grande parte por verba do orçamento secreto, a municípios em valores insuficientes para a realização das obras registradas. Diversas prefeituras chegaram a receber valores inferiores a R$ 10 mil sob a premissa de construção de escolas e creches.
Na última sexta-feira (14), chegaram a acontecer as primeiras prisões em decorrência do orçamento secreto. No Maranhão, o município de Igarapé Grande obteve recursos vindos de emendas de relator para o pagamento de radiografias de dedo em uma quantidade superior à sua própria população, indicando a possibilidade de se tratar de uma tentativa de desvio de verba. Dois servidores públicos foram presos, e a Polícia Federal investiga o caso.
O orçamento secreto também é constantemente apontado como uma ferramenta do atual governo para comprar votos de parlamentares. Com a porcentagem do orçamento da União destinada às emendas de relator aumentando a cada ano e o encolhimento das verbas ministeriais, a possibilidade de enviar esses recursos para obras em suas bases acaba se tornando um convite para deputados cooperarem com o relator geral do orçamento.
A escolha desse relator se dá por meio do presidente da Comissão Mista do Orçamento. Este, por sua vez, é eleito pelo bloco majoritário da comissão, que atualmente é o do governo. Com isso, bons termos e adesão a projetos do governo acabam se tornando um fator de peso para que um deputado ou senador consiga acessar os recursos do orçamento secreto. Preservando o aumento anual da verba para emendas de relator, o governo acaba conseguindo preservar o apoio da maioria.
(Congresso em Foco)