sexta-feira, 24 de novembro de 2023

INCLUSÃO RACIAL E DE GÊNERO PARA FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA


Por Diana Câmara*

Chamado de Novembro Negro, este mês conta com diversas atividades dedicadas à causa e tem duas datas importantes para a promoção da igualdade racial. Dia 18, que é o Dia Nacional de Combate ao Racismo, e dia 20, que é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Além disso, 2023 é o primeiro ano que passamos por este mês com um Ministério da Igualdade Racial (MIR) no Brasil, com estrutura e orçamento para formular e executar políticas públicas pela equidade étnico-racial. Contudo, o Brasil ainda está longe de ser uma “democracia racial”. Tanto em relação a proporção de candidatos negros, quanto em relação a proporção de deputados eleitos.

Os números estão muito abaixo do que seria esperado se não houvesse viés na representação descritiva no Brasil. As diferenças nos índices de representação entre candidatos e representantes eleitos mostram que há barreiras tanto para minorias se candidatarem como na hora de obterem votos. Por isso, políticas públicas que busquem equilibrar a representação devem não apenas incentivar a participação nos pleitos, como garantir que candidatos negros concorram em termos de igualdade, assegurando uma justa repartição dos recursos públicos que os partidos têm disponíveis, incluindo fundo eleitoral e tempo de televisão e rádio.

Nas últimas eleições brasileiras, a paridade racial e de gênero foi pautada no debate público, em especial, pelo endurecimento das decisões judiciais quanto à apuração de fraudes na cota de gênero (candidaturas fraudulentas) e na destinação e gastos dos recursos para candidaturas negras. Apesar do tema integrar a agenda política mais recente, a demanda por ações institucionais de combate às desigualdades raciais e de gênero no processo eleitoral é longínqua e se ancora no cenário de baixa representatividade de grupos não-brancos e não-masculinos em espaços políticos cujo acesso é organizado por meio das eleições. 

Para os especialistas, este fenômeno ocorre de forma sistemática no Brasil como reflexo de processos histórico-políticos baseados na exploração desses grupos em benefício aos homens brancos. Ao passo que o sistema político brasileiro tem seu modelo baseado na representação, a baixa inclusão política desses segmentos não só fere princípios democráticos importantes ao mitigar a participação plural, mas possui consequências na legitimidade e efetividade das políticas produzidas, na medida em que alguns grupos são formalmente mais representados que outros.

Não obstante os avanços recentes, alguns achados importantes por parte da comunidade científica reafirmam a urgência de medidas mais eficazes no combate às desigualdades raciais e de gênero nas eleições. Foi diagnosticado, através de estudos, que negros e mulheres são sistematicamente subfinanciados e este é o principal condicionante de sucesso eleitoral desses grupos devido a associação positiva entre dinheiro e votos.

Atualmente, temos a vinculação da reserva de vagas para candidaturas femininas ao financiamento eleitoral partidário por meio da Resolução n° 23.568 do TSE – que fixou a aplicação mínima de 30% do total de recursos eleitorais recebidos pelos partidos políticos em candidaturas femininas e este valor cresce na proporção das candidaturas, ou seja, se o partido lançar 40% de mulheres em sua chapa terá que destacar o mesmo percentual quanto aos recursos financeiros. A medida foi determinada pelo Poder Judiciário em resposta à Consulta n° 0600252-18.2018.6 protocolada por um conjunto de Senadoras. Assim, mais uma vez o ativismo judicial atuando para sanar as lacunas legislativas sobre temas caros à sociedade. 

De maneira similar, ainda que tenham sido debatidas predominantemente pelo Poder Legislativo, ações afirmativas de cunho racial nas eleições foram providenciadas pelo Poder Judiciário em 2020, em resposta à Consulta n° 0600306-47.2019.6, e determinou o financiamento proporcional das candidaturas negras pelos partidos políticos. Apesar da medida estar em vigor, uma política de reserva de vagas para candidaturas negras inexiste e continua sob responsabilidade do Poder Legislativo. 

Um avanço importante aconteceu em 2022 quando, visando incentivar a inclusão de ambos grupos nas eleições, foi aprovado pelo Congresso Nacional a duplicação de votos endereçados às candidaturas femininas e negras para distribuição de recursos do Fundo Eleitoral entre os partidos políticos por meio da Emenda Constitucional n° 111, que versa sobre a reforma eleitoral. Numa tentativa de estimular os partidos políticos a investir nas candidaturas de mulheres e negros. 

A interpretação crítica da realidade política brasileira à luz de teorias interseccionais demonstra-se de suma importância para o alcance da equidade racial e de gênero nas eleições para abranger uma discussão até então centralizada em um único grupo dominante composto majoritariamente por homens brancos. Esse deslocamento possui efeitos concretos na qualidade democrática tendo em vista a necessidade de esferas decisórias mais representativas que, por princípio, devem ser mais participativas e inclusivas devido a relação direta entre os perfis de pessoas eleitas e o teor das políticas produzidas. Ganha toda a sociedade. Por isso, lutemos sempre por mais direitos e inclusão racial e de gênero.

*Advogada especialista em Direito Eleitoral, ex-Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PE, membro fundadora e ex-presidente do Instituto de Direito Eleitoral e Público de Pernambuco (IDEPPE), membro fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e autora de livros.