E INÉDITAS – DE SERGIO MORO NA LAVA JATO
NAS ÚLTIMAS
SEMANAS, repórteres do Intercept e
da Vejatrabalharam em
conjunto para produzir uma reportagem abrangente e minuciosa, publicada nesta
sexta como matéria de capa da revista, demonstrando que o então juiz e hoje
ministro Sergio Moro atuou repetidamente de forma imprópria e antiética em sua
conduta como juiz.
A
reportagem contém uma série de conversas inéditas entre Moro e
o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, assim como
conversas entre procuradores da operação – algumas das mais incriminadoras até
aqui – demonstrando que os desvios de Moro não eram eventuais, mas, nas
palavras da Veja, revelam de “forma cabal como Sergio Moro exorbitava de suas
funções de juiz, comandando as ações dos procuradores na Lava Jato.” Em suma,
“as comunicações analisadas pela equipe são verdadeiras e a apuração mostra que
o caso é ainda mais grave.”

Além da reportagem, a
“Carta ao Leitor” explica não só o processo jornalístico
empregado pela Veja para autenticar o material, mas também as razões pelas
quais a revista – que, como admite no editorial, tratou Moro como um herói
nacional várias vezes em suas capas – agora reconhece que a conduta do juiz era
bastante problemática e que a condução dos processos da Lava Jato não se deu de
acordo com a lei.
Os
editores da Veja explicam que, após analisarem o arquivo por semanas em
conjunto com os jornalistas do Intercept, a narrativa de Moro como herói
nacional ou como juiz imparcial torna-se insustentável. Muito pelo contrário:
“fica evidente que as ordens do então juiz eram cumpridas à risca pelo
Ministério Público e que ele se comportava como parte da equipe de investigação,
uma espécie de técnico do time — não como um magistrado imparcial”.
O editorial da Veja também refuta a estratégia
cínica que vem sendo empregada por Moro, Dallagnol e os demais procuradores da
Lava Jato de insinuar que o material publicado pode ser editado ou falso – sem
nunca apontar exatamente onde estariam as adulterações. Assim como o Intercept
e a Folha de S.Paulo (também parceira na
Vaza Jato), os repórteres da Veja passaram semanas investigando e analisando
jornalisticamente o material, e confirmaram sua autenticidade:
A
reportagem desta edição é a primeira em parceria com o The Intercept Brasil.
Comandados pelo redator-chefe Sergio Ruiz Luz, nossos repórteres continuam
vasculhando a enorme quantidade de diálogos e áudios trocados entre
procuradores e o juiz Sergio Moro. Assim como a Folha de São Paulo, também
parceira do site, analisamos dezenas de mensagens trocadas entre membros do
nosso time ao longo dos anos e os procuradores. Todas as comunicações são
verdadeiras — palavra por palavra (o que revela fortíssimos indícios de
veracidade do conjunto).
A última frase merece ser enfatizada: “Todas as comunicações são
verdadeiras — palavra por palavra.”
No que talvez seja o ponto mais surpreendente da reportagem, a Veja
reconhece – e parece se arrepender – de seu papel na construção da imagem de
Moro como uma espécie de super-herói da ética, um mito que, como demonstra a
matéria, não tem base na realidade. Acima da Carta ao Leitor – cujo título é
“Sobre princípios e valores” e na qual explica as razões pelas quais está
expondo a conduta imprópria de Moro–, a Veja traz imagens de cinco capas
publicadas nos últimos anos, todas elogiando as virtudes de Moro, acompanhadas
da legenda:
TRATADO COMO HEROI
O
ex-juiz Sergio Moro foi capa de VEJA em diversas oportunidades, a maioria a
favor: embora tenha sido fundamental na luta contra a corrupção, não se pode
fechar os olhos antes às irregularidades cometidas.

A revista ressalta que seu apoio à luta contra a
corrupção no Brasil permanece: “VEJA sempre foi — e continua — a favor da
Lava-Jato”. E reconhece: “Poucos veículos de mídia celebraram tanto o trabalho
do ex-juiz na luta contra a corrupção (veja capas acima)”. O que mudou foi que
a revista tomou conhecimento da conduta antiética e imprópria de Moro na Lava
Jato, e que é, portanto, a responsabilidade jornalística da revista revelar e
expor – não esconder ou justificar – essa conduta.
Mas os diálogos que publicamos nesta edição violam
o devido processo legal, pilar fundamental do Estado de Direito — que, por
sinal, é mais frágil do que se presume, ainda mais na nossa jovem democracia.
Jamais seremos condescendentes quando as fronteiras legais são rompidas (mesmo
no combate ao crime). Caso contrário, também seríamos a favor de esquadrões da
morte e justiceiros. Há quem aplauda e defenda este tipo de comportamento,
reação até compreensível no cidadão comum, cansado de tantos desvios éticos.
Mas como veículo de mídia responsável não podemos apoiar posturas como essa. Um
dia, o justiceiro bate à sua porta e, sem direito a uma defesa justa, a pessoa
é sumariamente condenada. Na Lava-Jato ou nas operações que virão no futuro, é
fundamental que a batalha contra a corrupção seja feita de acordo com o que diz
o regime constitucional. Esta é a defesa de todos os brasileiros contra os
exageros do Estado.
Em resumo, a Veja – assim como o Intercept e a
Folha – dedicou recursos editoriais expressivos à exposição das impropriedades
de Moro em defesa de um princípio simples, mas fundamental: “Afinal, ninguém
tem salvo conduto ou está acima da lei”.
O artigo da capa tem esse manchete: “JUSTIÇA
A TODO CUSTO: Mensagens inéditas analisadas pela parceria entre
VEJA e o site The Intercept Brasil mostram que ele cometeu, sim,
irregularidades enquanto atuava como juiz.” Na página principal do site da
Veja, o artigo traz este título: “Novos diálogos revelam que Moro orientava
ilegalmente ações da Lava Jato.”
A reportagem inclui conversas inéditas e explica detalhadamente a
gravidade e a recorrência das impropriedades de Moro. O texto começa
recapitulando o que as matérias publicadas até
agora pelo Interceptdemonstram. “(…) no papel de magistrado, Moro
deixou de lado a imparcialidade e atuou ao lado da acusação. As revelações
enfraqueceram a imagem de correção absoluta do atual ministro de Jair Bolsonaro
e podem até anular sentenças”, diz o texto.

Em parceria com site, VEJA realizou o mais completo
mergulho já feito nesse conteúdo. Foram analisadas pela reportagem 649 551
mensagens. Palavra por palavra, as comunicações analisadas pela equipe são
verdadeiras e a apuração mostra que o caso é ainda mais grave. Moro cometeu,
sim, irregularidades. Fora dos autos (e dentro do Telegram), o atual ministro
pediu para a acusação incluir provas nos processos que chegariam depois às suas
mãos, mandou acelerar ou retardar operações e fez pressão para que determinadas
delações não andassem. Além disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe
do Ministério Público Federal, posição incompatível com a neutralidade exigida
para um magistrado. Na privacidade dos chats, Moro revisou peças dos
procuradores e até dava broncas neles. “O juiz deve aplicar a lei porque na
Terra quem manda é a lei. A justiça só existe no céu”, diz Eros Grau,
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, falando em tese sobre o papel de um
magistrado. “Quando o juiz perde a imparcialidade, deixa de ser juiz.”
Em conjunto com a Veja, encontramos no arquivo uma
série de exemplos do então juiz Moro atuando exatamente da forma que por anos
negou agir (e que voltou a negar nas audiências no Congresso e no Senado): não
apenas colaborando, mas dirigindo as ações do Ministério Público num caso que
ele depois viria a julgar.
Em um exemplo bastante ilustrativo, a reportagem
pergunta retoricamente: “Não seria um escândalo se um magistrado atuasse nas
sombras alertando um advogado que uma prova importante para a defesa de seu
cliente havia ficado de fora dos autos?” O texto então mostra como Moro
fez exatamente isso:
Pois isso aconteceu na Lava-Jato, só que a favor da
acusação. Uma conversa de 28 de abril de 2016 mostra que Moro orientou os
procuradores a tornar mais robusta uma peça.
No diálogo, Deltan Dallagnol,
chefe da força-tarefa em Curitiba, informa a procuradora Laura Tessler que Moro
o havia avisado sobre a falta de uma informação na denúncia de um réu — Zwi
Skornicki, representante da Keppel Fels, estaleiro que tinha contratos com a
Petrobras para a construção de plataformas de petróleo, e um dos principais
operadores de propina no esquema de corrupção da Petrobras. Skornicki tornou-se
delator na Lava-Jato, e confessou que pagou propinas a vários funcionários da
estatal, entre eles, Eduardo Musa, mencionado por Deltan na conversa. “Laura no
caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do Musa e se for por lapso
que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e dá tempo. Só é bom
avisar ele”, diz. “Ih, vou ver”, responde a procuradora. No dia seguinte, o MPF
incluiu um comprovante de depósito de 80 000 dólares feito por Skornicki a
Musa.
Moro então publica sua sentença e recebe o aditamento com a informação
sobre o depósito depois disso. Ou seja: ele claramente ajudou um dos lados do
processo a fortalecer sua posição.
O que esse texto traz de novo – e de
crucial – não é só a prova que Moro mentiu repetidamente para a população e
para o Congresso ao defender sua atuação na Lava Jato. Fica provado também que
ele contaminou suas decisões na operação ao abandonar seu papel neutro de juiz
e assumir a função de promotor, acusando os mesmos réus cujos direitos ele,
como juiz, tinha o papel de garantir. Como a procuradora do MPF Monique Cheker
eloquentemente disse nas conversas que o Intercept
revelou na última sexta-feira: “Moro viola sempre o sistema
acusatório e é tolerado por seus resultados”.
Como nosso texto em parceria com a Veja
explica: “Na terça, 2, Moro (que, por sinal, não faz mais parte da Lava-Jato)
ficou sete horas no Congresso respondendo a parlamentares sobre o caso. Repetiu
o que tem dito nas últimas semanas: os diálogos divulgados foram frutos de um
roubo, podem ter sido editados e, mesmo verdadeiros, não apontam qualquer tipo
de desvio. A cada nova revelação, fica mais difícil sustentar esse discurso.”
Num dos exemplos que mostram que, sim, houve desvio
na Lava Jato, Moro e Dallagnol mostram intimidade na troca de informações – um
comportamento que a nossa reportagem classificou como sinal do “nível elevado
(e indesejável) da promiscuidade entre os dois. E que pode levar a suspeição de
Moro. No episódio, Dallagnol não vê problemas em enviar ao juiz exemplos de
decisões de outros magistrados para quando ele “precisar prender alguém” ao
responder sobre o pedido de revogação da prisão preventiva do amigo de Lula,
José Carlos Bumlai, em dezembro de 2015.
Essa matéria demonstra, portanto – de forma
minuciosa e definitiva – que o verdadeiro chefe da acusação na operação Lava
Jato era a mesma pessoa que deveria ser o juiz neutro que julgaria o processo:
Sergio Moro. A conduta de Moro é perigosa porque viola não só os direitos dos
réus nesse caso, mas abre um precedente que põe em risco todos os futuros réus que
serão julgados num sistema judicial que parece ignorar o mais básico dos
princípios: a neutralidade e imparcialidade do juiz.
Nós iniciamos
nossa série de reportagens explicando os motivos (leia
aqui e entenda) pelos quais acreditamos que esse jornalismo é
crucial para a democracia brasileira: “Tendo em vista o imenso poder dos
envolvidos e o grau de sigilo com que eles operam – até agora –, a
transparência é crucial para que o Brasil tenha um entendimento claro do que
eles realmente fizeram. A liberdade de imprensa existe para jogar luz sobre
aquilo que as figuras mais poderosas de nossa sociedade fazem às sombras.”
Obedecer
esse princípio – dar transparência aos atos corruptos de oficiais poderosos –
continua sendo o objetivo principal das matérias que publicamos. A nova
reportagem em parceria com a Veja é mais um passo nesse sentido porque – no que
tange ao comportamento antiético de Moro – demonstra o quão frequentes,
inconsequentes e corriqueiras as impropriedades de Moro eram.
(Site The Intercept_)