O presidente Jair Bolsonaro sancionou na quarta-feira (25/12) o conjunto de reformas na legislação penal chamada pelo governo de "pacote anticrime". Ao todo, foram 25 vetos no texto aprovado pelo Congresso, ante as 38 sugestões feitas pela Casa Civil, pelo Ministério da Justiça e pela Advocacia-Geral da União. A maioria dos pontos vetados tinha sido duramente criticada por especialistas.
Entre os vetos, um dispositivo que dificultava a progressão de regime. O presidente justificou seu veto alegando que o direito à requisição do bom comportamento poderia gerar "percepção de impunidade". O Supremo Tribunal Federal já tinha considerado inconstitucionais medidas semelhantes propostas anteriormente.
Entre os pontos mais polêmicos vetados no projeto está a coleta de material genético de pessoas que tenham cometido crimes. Na mensagem de veto, Bolsonaro afirma que o texto aprovado não considera crimes hediondos na lista dos que motivariam o recolhimento de material genético de criminosos, o que "contraria o interesse público. O colunista da ConJur Leonardo Marcondes Machado já tinha alertado para o fato de que a coleta de material genético, da forma como proposta no projeto de lei, afrontaria dispositivos constitucionais e pactos internacionais.
Também não terão validade duas mudanças na Lei de Interceptações. Uma delas impedia escutas ambientais na casa de investigados. O presidente considerou que a medida poderia causar insegurança jurídica, já que o Supremo considera como "casa" qualquer ambiente de moradia ou trabalho que não seja de circulação pública.
A outra mudança na Lei de Interceptação vetada foi a que permitia o o uso do grampo ambiental não autorizado em benefício da defesa. O governo considerou que isso violaria o princípio da lealdade processual, já que autoriza o uso de determinadas provas apenas por uma das partes — embora o princípio da lealdade e o da boa-fé objetiva, ambos citados pelo presidente, sejam do Processo Civil, e não do Processo Penal.
A obrigação de realizar audiência de custódia após a prisão em flagrante também foi vetada, mas porque a lei proibia o uso de videoconferência, o que dificultaria a celeridade processual.
Veja a lista completa:
Art. 121, §2º, II, do Código Penal: o PL tornava qualificado o homicídio cometido com o emprego de arma de uso restrito ou proibido. A norma foi vetada pelo receio de agravar as penas nos crimes cometidos por agentes de segurança pública em conflitos armados.
Art. 141, § 2º, do Código Penal: previa-se que, se qualquer crime contra a honra fosse cometido por redes sociais na internet, aplicar-se-ia o triplo da pena. O veto fundamentou-se na suposta desproporcionalidade da causa de aumento de pena.
Art. 3º-B, § 1º, do Código de Processo Penal: a norma estabelecia a obrigatoriedade da realização de audiência de custódia após prisão em flagrante ou por prisão provisória, vedando-se o emprego de videoconferência. A norma foi vetada apenas em razão desta última vedação. Nas razões de veto, alegou-se que, ao proibir as videoconferências, a norma dificultaria a celeridade dos atos processuais e do regular funcionamento da justiça.
Art. 112, § 7º, da Lei de Execuções Penais: o dispositivo estava inserido em um conjunto de mudanças que impedia a progressão de regime do preso que cometesse falta grave. A norma previa que, após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para obtenção do direito de progressão de regime, o requisito objetivo de bom comportamento seria readquirido. O trecho foi vetado sob o argumento de que o direito à requisição do bom comportamento poderia gerar “percepção de impunidade com relação às faltas e ocasionar, em alguns casos, o cometimento de injustiças em relação à concessão de benesses aos custodiados”.
Art. 9º-A, caput, § 5º, § 6 º e § 7º da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984: os dispositivos previam a obrigatoriedade de submissão do condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA. Os trechos foram vetados (i) por não preverem essa possibilidade para todos os condenados por crimes hediondos; (ii) por impedir a utilização do material genético para práticas de fenotipagem genética e busca familiar e (iii) por obrigar o poder público a descartar imediatamente a amostra biológica após a identificação do perfil genético.
Art. 8º-A, § 2º, da Lei de Interceptação: o dispositivo previa que a instalação do dispositivo de captação ambiental poderia ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, ressalvado a instalação “na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal”. O trecho foi vetado sob o argumento de que o dispositivo geraria insegurança jurídica ao excluir a “casa”, até mesmo porque, de acordo com a jurisprudência do STF, a inviolabilidade do domicílio abrange também outros endereços utilizados para moradia temporária (como hotéis) e atividade profissional (como escritórios).
Art. 8º-A, § 4º, da Lei de Interceptação: previa-se que a captação ambiental poderia ser feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público “em matéria de defesa”, quando demonstrada a integridade da gravação. A norma foi vetada por “limitar o uso da prova obtida mediante a captação ambiental apenas pela defesa”, o que contrariaria o interesse público “uma vez que uma prova não deve ser considerada lícita ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará”.
Art. 17-A, §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, da Lei de Improbidade: os dispositivos permitiam que o Ministério Público celebrasse acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa. O trecho foi vetado por se considerar que não seria justificável atribuir essa competência exclusivamente ao MP, já que outras pessoas jurídicas de direito público vítimas do ato de improbidade também possuem legitimidade ativa para esta ação.
Art. 14-A, §§ 3º, 4º e 5º, do Código de Processo Penal e art. 16-A, §§ 3º, 4º e 5º do Código de Processo Penal Militar: os dispositivos previam que agentes públicos investigados em inquéritos policiais por fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional seriam defendidos judicialmente pela Defensoria Pública, salvo nos locais onde ela não estivesse instalada. Esses trechos foram vetados por se entender que haveria invasão de competência da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias Estaduais, que possuem a função de representação judicial das unidades federadas e dos respectivos agentes públicos.