O primeiro debate presidencial das eleições de 2022 ocorreu no último domingo (28/8). Dos sete participantes, apenas duas eram mulheres. Nenhum candidato negro foi convidado para o embate promovido pela TV Bandeirantes, em parceria com o portal Uol, a Folha de S.Paulo e a TV Cultura.
O cenário gerou revolta entre postulantes que ficaram de fora do confronto. É o caso de Vera Lúcia (PSTU), Leo Pericles (UP) e Sofia Manzano (PCB), que acusam a emissora de excluir negros e não abrir espaço suficiente para mulheres. A crítica é endossada por eleitores nas redes sociais.
De acordo com a lei nº 9.504/97, que define regras eleitorais, debates promovidos por emissoras de rádio ou televisão devem assegurar a participação de candidatos cujo partido tem representação de ao menos cinco parlamentares no Congresso Nacional.
Dados coletados na página do Congresso apontam que o UP, PSTU e PCB, siglas dos candidatos que têm feito críticas nas redes, não têm representantes na Câmara ou no Senado.
Apesar da falta de parlamentares nas Casas, a participação dos candidatos poderia ter sido viabilizada. De acordo com a lei, mesmo sem representação no Congresso, o convite ao debate é facultativo, ou seja, a realização do convite é opcional às emissoras.
O número reduzido de participantes no debate é uma regra que facilita a realização dos eventos pelas emissoras, bem como contribui para que temas sejam discutidos em mais profundidade, segundo especialistas consultadas pelo Metrópoles. A questão, no entanto, lança luz à ausência de postulantes mais representativos nos grandes partidos brasileiros.
“Exclusão”
Nas redes sociais, Sofia Manzano afirmou ter sido excluída do debate e criticou a falta de preparo dos candidatos para responder questões sobre violência contra a mulher. Ela mencionou o momento em que Felipe D’Ávila (Novo) errou o nome da Lei Maria da Penha.
Procurada pelo Metrópoles a candidata lamentou não ter sido convidada, e afirmou que tem um programa de governo que é “do interesse da classe trabalhadora”. “Esse debate não representa o conjunto das alternativas que a classe trabalhadora e os brasileiros terão no momento eleitoral”, opinou Sofia.
O protesto nas redes sociais também tem sido promovido por Vera Lúcia que, antes mesmo da realização do debate, criticou a falta do convite para participação no evento. Desde sexta-feira (26/8), a candidata tem promovido a hashtag #QueroVeraNoDebate na internet.
“Dizem-se democratas, mas escolhem de antemão quem vai ter mais visibilidade nas eleições. O fato se torna ainda mais grave quando se excluem os candidatos negros. Afinal, somos um país marcado por séculos de escravidão e racismo, e esta tentativa de nos silenciar é só mais uma expressão do racismo dos ricos e poderosos. Tanto é assim, que sequer jornalistas negros estiveram presentes. “, afirmou Vera ao Metrópoles.
O candidato Leo Pericles (UP) usou as redes sociais para criticar a falta de diálogos sobre racismo e assassinato de populações negras e indígenas no debate.
Durante o confronto, os presidenciáveis não fizeram perguntas sobre questões raciais. O tema também não foi levantado pelos jornalistas que participaram do evento. Nas redes sociais, ativistas chamaram atenção, ainda, para a ausência de pessoas pretas e pardas entre os repórteres que participaram do debate.
“Não nos chamaram para os debates porque querem calar a nossa voz. A grande mídia, apesar de ser concessão pública, hoje é propriedade de meia dúzia de bilionários, os donos da ‘casa grande’, que se apavoram com a voz do povo negro e oprimido”, opinou.
Representatividade
Segundo a cientista política Marcela Machado, a “função do debate é apresentar para o eleitor, de forma isonômica, as propostas dos candidatos. Existindo a possibilidade de participação de todos os candidatos, você garante que todos tenham a oportunidade de apresentar esses projetos e permite que o eleitor escolha o que mais lhe agrada”.
Contudo, a professora da Universidade de Brasília (UnB) ressalta que a questão vai além das regras estabelecidas pela emissora.
“Deveríamos perguntar o motivo pelo qual não existem candidatos negros nas outras chapas”, argumenta. “Concordo, porém, que a regra deveria ser repensada para garantir a maior representatividade e trazer todos os candidatos ao debate, dando-lhes voz e visibilidade”.
A cientista política Camila Santos reitera que, quando se trata de um recorte de raça ou de gênero, é fundamental que haja “uma adequação dos partidos para que tenham candidatos mais representativos em termos de gênero e raça”.
O advogado Mateus Naves, especialista em direto eleitoral do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, pontua que houve um avanço das políticas de inclusão no processo eleitoral. Ele avalia que a dinâmica dos debates do primeiro turno, em que há um maior número de candidatos, “costuma apenas possibilitar a apresentação de todos eles, e, de forma superficial, suas respectivas plataformas de governo”.
“Esse é um desafio a ser superado, principalmente nos debates de campanhas majoritárias, nos quais não há regra de percentual mínimo, de manter a atratividade e a boa dinâmica desse importante ato de campanha sem, contudo, afastar grupos já afastados dos espaços públicos institucionais”, ressalta.