O Portal do Servidor inicia, nesta quarta-feira (28/12), uma série especial relativa aos 30 anos do Impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. A decisão do Senado Federal foi tomada no dia 30 de dezembro de 1992. Os historiadores Carlos Pontes e Diego Morais, do Memorial Deputado Pontes Neto (Malce) da Assembleia Legislativa do Ceará, analisam o fato histórico e seus desdobramentos na América Latina.
O encerramento de 2022 marca o transcurso dos 30 anos do fim de um ciclo histórico. Nesta sexta-feira (30/12), decorrem três décadas da sessão em que o Senado Federal afastou do cargo o então presidente Fernando Collor de Mello, por meio de Impeachment. Em30 de dezembro de 1992, Fernando Collor foi condenado em um processo que marcou a história não apenas do Brasil, como também de toda a América Latina. Foi o terceiro presidente do País a sofrer a cassação. Em 1955 foram depostos Café Filho e Carlos Luz, que ocupou a cadeira presidencial por apenas três dias. O episódio foi traumático, pois Collor fora o primeiro presidente eleito após o período de Redemocratização do País (1985), em 1989.
Com a interrupção do mandato de Collor de Mello, pelo Senado, iniciou-se em verdade uma série de crises presidenciais que resultaram em quedas de governo sem colapsos de regime por todo o continente latinoamericano. "Ao todo, 15 presidentes eleitos foram removidos dos seus cargos ou forçados a renunciar, tais o próprio Collor, Jorge Serrano (Guatemala, 1993), Carlos Andrés Pérez (Venezuela, 1993), Joaquín Balaguer (República Dominicana, 1996), Abdalá Bucaram Ortiz (Equador, 1997) e Raúl Cubas Grau (Paraguai, 1999), dentre outros", apontam os historiadores Carlos Pontes e Diego Morais, do Memorial Deputado Pontes Neto (Malce), da Assembleia Legislativa do Ceará.
Os historiadores explicam que até a década de 1990, pouco se discutia no meio científico a respeito do instrumento Impeachment no Brasil e na América Latina. O problema estava centrado na análise sobre a instabilidade do regime e a preocupação fundamental era pela preservação da democracia. O presidente Fernando Collor de Mello foi o primeiro civil eleito diretamente pelo voto popular, depois do golpe militar de 1964. Também foi o primeiro a ser julgado e condenado por crime de responsabilidade, sendo, portanto, o primeiro presidente da República a sofrer o processo de Impeachment. Por isso, sofreu pena de suspensão de direitos políticos por oito anos, tornando-se inelegível para qualquer função pública durante esse período, conforme explicam os pesquisadores.
Eles lembram que Impeachment é um termo do inglês que, na tradução literal, significa impugnação de mandato, denominando o processo de cassação de mandatos dos chefes do Poder Executivo. No Brasil, o Impeachment surgiu com a República, que o instituiu em sua primeira Constituição, de 1891, seguindo os preceitos constitucionais norte-americanos.
Como se deu o processo
Fernando Collor de Mello assumiu a presidência do Brasil em 1990, após vencer as primeiras eleições presidenciais diretas, com votação popular, realizadas em 1989, após o fim da Ditadura Militar. Candidato por uma pequena sigla, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) – em coligação com outros partidos pequenos, como Partido Social Cristão (PSC), Partido Trabalhista Renovador (PTR) e Partido Social Trabalhista (PST) –, ele derrotou Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), no segundo turno daquelas eleições. Lula concorreu pela primeira vez à Presidência pela Frente Brasil Popular, formada por PT, Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Um dos grandes desafios que precisou enfrentar foi a questão da situação financeira do país, já bastante alarmante no governo anterior, de José Sarney (PMDB). Para tanto, a equipe econômica de Collor, liderada pela então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, elaborou os planos Collor I e Collor II, com vistas a estabilizar o valor da moeda e controlar a inflação. Todavia, os planos não deram certo, e medidas como o bloqueio de ativos financeiros, relativos às movimentações da caderneta de poupança, e o congelamento de preços dos produtos e dos salários resultaram em fortes reações negativas por parte da população.
"Para agravar a situação, o tesoureiro da campanha presidencial de Collor, o empresário Paulo César Farias, conhecido como PC Farias, passou a ser investigado por corrupção e o esquema dele foi associado ao presidente da República", apontam os historiadores Carlos Pontes e Diego Morais.Isso assegurou elementos formais para a abertura de processo criminal comum contra Collor, no Supremo Tribunal Federal, e do processo de Impeachment, no Congresso. As denúncias envolviam uso de recursos de Caixa 2 da campanha de 1989 após a vitória de Collor.
Conforme os historiadores do Malce, o processo político de afastamento de Fernando Collor estendeu-se por sete meses, no período de 1º de junho a 30 de dezembro de 1992 (data em que o Senado concluiu o julgamento do Impeachment), havendo interferência do Congresso Nacional, com a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar fatos contidos nas denúncias do irmão do presidente, Pedro Collor de Mello, referentes às atividades de Paulo César Farias, capazes de configurar ilicitude penal.
Impeachment teve apoio maciço da bancada cearense
Do ponto de vista do Congresso Nacional, o pedido de Impeachment de Collor foi entregue à Câmara dos Deputados no dia 1º de setembro de 1992. O documento foi assinado pelos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère, e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho.
Três meses antes da votação pelo Senado, em 29 de setembro de 1992, o plenário da Câmara dos Deputados fez história. O voto do então deputado Paulo Romano (PFL-MG) completou os 336 votos necessários para abrir o processo que resultou no impeachment do então presidente da República. A votação, pela abertura do processo de crime de responsabilidade, somou 441 votos a favor, 38 contra, uma abstenção e 23 ausências.
O voto de Paulo Romano foi proferido às 18h50min do dia 29 de setembro de 1992. Na sequência, parlamentares cantaram em Plenário o Hino Nacional. "Pela ética, mas em nome desta Casa e do povo brasileiro, saibamos ser coerentes. Meu voto pela dignidade, por aquilo que Minas Gerais representa, é sim. Viva o Brasil!", afirmou o deputado pelo PFL mineiro na ocasião.
Dentre os deputados federais cearenses, a aprovação ao Impeachment foi maciça, com 19 dos 22 votos: Aécio de Borba (PDS), Ariosto Holanda e Maria Luíza Fontenele (ambos do PSB), Carlos Benevides, Gonzaga Mota, Pinheiro Landim e Ubiratan Aguiar (todos do PMDB), Edson Silva e Luiz Girão (os dois do PDT), Ernani Viana, Jackson Pereira, Padre José Linhares, Luiz Pontes, Marco Penaforte, Mauro Sampaio, Moroni Torgan e Sérgio Machado (todos do PSDB), Orlando Bezerra e Vicente Fialho (ambos do PFL). Os deputados Carlos Virgílio (PDS) e Etevaldo Nogueira (PFL) votaram contra a medida, enquanto Antônio dos Santos (PFL) faltou à sessão.
Com exceção da TV Record, que só exibiu flashes do momento, todos os principais canais de televisão aberta do Brasil transmitiram a votação do Impeachment ao vivo. Somando canais abertos, foram mais de 50 pontos de audiência registrados durante a votação: 44 da Rede Globo, 4 da Cultura, 4 da Band e 4 da Manchete. A Rede Globo passou cerca de 300 minutos sem interrupções com a cobertura ao vivo da Câmara dos Deputados, ficando no ar das 14 horas às 19 horas.
Além das transmissões televisivas, as emissoras de rádio brasileiras cobriram a votação do início ao fim. Na época, ainda não existia Internet. Quem foi às ruas também pôde acompanhar o que acontecia na Câmara. Nas principais capitais, as votações eram acompanhadas em enormes telões, em locais públicos. Em Fortaleza, um painel montado na Praça do Ferreira exibia os votos dos deputados cearenses.
Votação no Senado consolidou processo
Com o processo político do impeachment tendo se prolongado por sete meses, de junho a dezembro de 1992,a sessão em que o Senado Federal concluiu a votação se desdobrou em dois dias (29 e 30 de dezembro daquele ano).
O então presidente da República, em estratégia para evitar punição decorrente do processo, renunciou ao mandato pouco antes do início do julgamento do Senado Federal, na sessão de 29 de dezembro. Naquela Casa, a decisão gerou polêmica. Alguns juristas consideraram que o julgamento, após a renúncia, não deveria ter acontecido. A questão acabou sendo decidida no Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão presidida pelo ministro Sydney Sanches - que ratificou o resultado do Senado Federal pela perda do cargo de presidente da República e pela inabilitação política de Collor por oito anos.
No Senado, o impeachment foi aprovado em 30 de dezembro, por 76 votos a três. Na ocasião, os três senadores cearenses votaram a favor do afastamento de Collor: Beni Veras (PSDB), Cid Carvalho (PMDB) e Mauro Benevides (PMDB) - que, na ocasião, presidia o Senado Federal. No dia anterior, o presidente renunciou ao cargo, mas não escapou do processo. O então vice-presidente Itamar Franco (na época sem partido) tomou posse em definitivo e Collor teve seus direitos políticos cassados até 2000.
Em 1994, Fernando Collor obteve uma vitória jurídica: foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por falta de provas. Em 2006, foi eleito senador pelo PRTB de Alagoas, sendo reeleito em 2014. Ao ser empossado no Senado, em 1º de fevereiro de 2007, migrou para o PTB e, posteriormente, para o Pros. Retornou ao PTB, pelo qual concorreu ao governo de Alagoas neste ano. Foi derrotado, sendo o terceiro colocado na disputa, com 14,71% dos votos válidos.
No vídeo abaixo da matéria, o ex-senador Mauro Benevides, que à época presidia o Senado Federal, dá seu depoimento sobre o Impeachment de Fernando Collor de Mello.
Júlio Sonsol e Salomão de Castro, com informações do Malce e Agência Câmara de Notícias
Edição: Salomão de Castro