Apesar de estar situada a pouco mais de 20 km de Fortaleza e de ser cortada por um importante polo industrial do Ceará, a cidade de Pacatuba preserva um clima bucólico, com casarões históricos e ruas de paralelepípedos, típica "cidade do interior", com modernização aquém das vizinhas Maracanaú e Maranguape nos últimos anos. A aparente "calmaria" da estrutura física, porém, em nada se assemelha às disputas políticas que a cidade tem vivido nas últimas duas décadas.
O episódio mais recente é a prisão do prefeito Carlomano Marques, do MDB, investigado por crimes contra a administração pública e licitações, afastado da gestão por seis meses. O cenário, no entanto, é cruzado por relações familiares rompidas e disputa por capital político de ex-prefeito.
A história começa nos anos 2000, com a eleição de Raimundo Célio Rodrigues, que, à época, derrotou o grupo político dominante em Pacatuba por uma diferença de 25 votos. O gestor foi bem sucedido e, já na reeleição, em 2004, protagonizou os primeiros desafios para administrar a base política conquistada.
Em 2004, o filho de Célio, Renato Célio Rodrigues, foi candidato a vice na chapa com o pai, apesar de a Justiça Eleitoral vedar o parentesco político. O motivo era a intensa disputa por quem ocuparia o cargo. Pai e filho arrastaram judicialmente a chapa até que, com a eleição consolidada, na reta final, o cargo de vice foi assumido por Zezinho Cavalcante que, dali a outros quatro anos, se tornaria prefeito com apoio de Célio.
Em 2004, a vereadora mais votada da cidade foi a então primeira-dama, Selma Cardoso, que já detinha três mandatos no Legislativo e acumularia outros três, tendo sido também presidente da Câmara Municipal.
Em 2010, após dois anos da eleição do aliado Zezinho Cavalcante, morre o principal líder político, Raimundo Célio Rodrigues, aos 64 anos, já conhecido pela população pela alcunha de "véi macho", enquanto tratava problemas renais no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
"Quando ele faleceu deixou um vácuo político muito grande. Eu não era político até então. Eu tinha uma condução administrativa", conta o filho de Célio, Renato Rodrigues, em uma live guardada desde 2020 no perfil do político no próprio Facebook, ao rememorar a trajetória dele e do pai.
A eleição de 2012 marca uma ruptura mais incisiva no grupo do ex-prefeito. Baseados em pesquisas internas de intenção de voto, segundo Renato, eles decidem não apoiar a reeleição de Zezinho e lançar o filho de Célio à disputa contra um ex-aliado, o tabelião Alexandre Alencar.
Naquele ano, Renato foi enquadrado na lei da ficha suja e, apesar de recorrer em todas as instâncias, Alexandre venceu a disputa.
"O ano de 2012 foi a primeira eleição do ficha limpa, então existiam muitas dúvidas, porque a lei foi feita e não havia muita normatização. Eu tinha uma conta irregular sem nota de improbidade, sem dolo e sem má fé. No calor da disputa política, cada um usa a arma que tem. A fase jurídica vai permear a disputa. (A chapa) apresentou liminar, foi cassada, tentou apelar, perdeu", conta Renato.
Em 2015, morre Zezinho Cavalcante, vítima de um infarto.
CHEGA CARLOMANO MARQUES
O cenário de disputas entre ex-aliados muda em 2016, com a chegada de Carlomano Marques à Pacatuba. Natural de Iguatu, vereador de Fortaleza e deputado estadual por sete mandatos, o emedebista assumiu nova empreitada na política, agora no Executivo, após enfrentar polêmicas e um processo de cassação no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará em 2012.
Chamado de "forasteiro" pelos adversários políticos, ele tinha como cabo eleitoral à época a viúva de Célio Rodrigues, Selma, que, naquele ano, não disputou reeleição à Câmara.
A disputa colocava então parentes do líder político falecido na mesma arena. Com a desistência de Alexandre em disputar a reeleição, segundo ele, por princípios políticos, Renato Célio volta ao pleito, agora contra o candidato da ex-madastra, Selma, segunda esposa do pai.
A Justiça Eleitoral, no entanto, não homologou a candidatura de Renato Célio. Na reta final da campanha, ele foi substituído pelo filho, Dr. Thiago Rodrigues, derrotado por uma diferença de 494 votos, pouco mais de 1% de diferença.
Carlomano assume a prefeitura e, novamente primeira-dama, Selma passa a atuar como secretária da gestão. A lua de mel não durou uma gestão.
Já separada do prefeito, em 2019, Selma assume postura de oposição e começa a trabalhar em candidatura própria. "A situação de Pacatuba é calamitosa, clama por mudanças, e diante disto, novos planos nos aguardam para o ano que virá", diz ela em uma publicação no Instagram, em dezembro daquele ano.
A eleição de 2020 teve, então, na disputa, o prefeito Carlomano Marques, a ex-companheira dele, Selma, e o ex-enteado dela, Renato Célio.
O cenário teve direito à pré-campanha com a hashtag "Filho do Véi Macho" e publicações nas redes sociais em memória de Célio Rodrigues de ambos os familiares.
O racha na disputa pelo legado político, no entanto, pouco afetou a polarização já esperada entre Carlomano e Renato Célio. Ainda assim, o prefeito conseguiu se reeleger com quase 5 mil votos de diferença, vantagem maior do que na primeira disputa.
Agora, a prisão de Carlomano vai conduzir ao posto de prefeito nos próximos seis meses o atual vice, Rafael Marques, sobrinho do prefeito. A posse está prevista para esta quarta-feira.
Ao que tudo indica, a próxima eleição em Pacatuba se desenha para novo pleito com disputa de legado político-familiar. Resta saber qual herança terá maior apelo. A prisão de um gestor e de metade do secretariado não é fato simplório em um histórico político; sucessivas derrotas eleitorais também não passam um recado fácil das urnas.
Como cada lado vai driblar as factualidades será decisivo não só para a disputa eleitoral, mas também, e mais importante ainda, para o desenvolvimento de uma cidade e a garantia de uma gestão que se comprometa com os direitos da população que, nessas horas, é quem mais perde.
Diário do Nordeste