Carta
aberta ao Senador Renan Calheiros
'Vida de gado. Povo marcado. Povo feliz'. As vacas de Renan dão cria 24 h,
por dia. Haja capim e gente besta em Murici e em Alagoas! Uma qualidade eu
admiro em você: o conhecimento da alma humana. Você sabe manipular as
pessoas, as ambições, os pecados e as fraquezas.
Do menino ingênuo que eu fui buscar em Murici para ser deputado estadual em
1978 - que acreditava na pureza necessária de uma política de oposição dentro
da ditadura militar - você, Renan Calheiros, construiu uma trajetória de
causar inveja a todos os homens de bem que se acovardam e não aprendem nunca
a ousar como os bandidos.
Você é um homem ousado. Compreendeu, num determinado momento, que a vitória
não pertence aos homens de bem, desarmados desta fúria do desatino, que é
vencer a qualquer preço. E resolveu armar-se. Fosse qual fosse o preço, Renan
Calheiros nunca mais seria o filho do Olavo, a degladiar-se com os poderosos
Omena, na Usina São Simeão, em desigualdade de forças e de dinheiros.
Decidiu que não iria combatê-los de peito aberto, descobriria um atalho, um
mil artifícios para vencê-los, e, quem sabe, um dia derrotaria todos eles, os
emplumados almofadinhas que tinham empregados cujo serviço exclusivo era
abanar, durante horas, um leque imenso sobre a mesa dos usineiros, para que
os mosquitos de Murici (em Murici, até os mosquitos são vorazes) não
mordessem a tez rósea de seus donos: Quem sabe, um dia, com a alavanca da
política, não seria Renan Calheiros o dono único, coronel de porteira
fechada, das terras e do engenho onde seu pai, humilde, costumava ir buscar o
dinheiro da cana, para pagar a educação de seus filhos, e tirava o chapéu
para os Omena, poderosos e perigosos.
Renan sonhava ser um big shot, a qualquer preço. Vendeu a alma, como o Fausto
de Goethe, e pediu fama e riqueza, em troca.
Quando você e o então deputado Geraldo Bulhões, colegas de bancada de
Fernando Collor, aproximaram-se dele e se aliaram, começou a ser Parido o
novo Renan.
Há quem diga que você é um analfabeto de raro polimento, um intuitivo. Que
nunca leu nenhum autor de economia, sociologia ou direito. Os seus colegas de
Universidade diziam isso. Longe de ser um demérito, essa sua espessa
ignorância literária faz sobressair, ainda mais, o seu talento
De vencedor.
Creio
que foi a casa pobre, numa rua descalça de Murici, que forneceu a você o
combustível do ódio à pobreza e o ser pobre. E Renan Calheiros decidiu que,
se a sua política não serviria ao povo em nada, a ele próprio serviria em
tudo.
Haveria
de ser recebido em Palácios, em mansões de milionários, em Congressos
estrangeiros, como um príncipe, e quando chegasse a esse ponto, todos os
seus traumas banhados no rio Mundaú seriam rebatizados em Fausto e opulência;
'Lá, terei a mulher que quero, na cama que escolherei.
Serei
amigo do Rei.'
Machado de Assis, por ingênuo, disse na boca de um dos seus personagens: 'A
alma terá, como a terra, uma túnica incorruptível.' Mais adiante, porém,
diante da inexorabilidade do destino do desonesto, ele advertia: 'Suje-se,
gordo! Quer sujar-se? Suje-se, gordo!'
Renan Calheiros, em 1986, foi eleito deputado federal pela segunda vez. Nesse
mandato, nascia o Renan globalizado, gerente de resultados, ambição à larga,
enterrando, pouco a pouco, todos os escrúpulos da consciência.
No seu
caso, nada sobrou do naufrágio das ilusões de moço! Nem a vergonha na cara. O
usineiro João Lyra patrocinou essa sua campanha com US1.000.000. O dinheiro
era entregue, em parcelas, ao seu motorista Milton, enquanto você esperava,
bebericando, no antigo Hotel Luxor, av. Assis Chateaubriand, hoje Tribunal do
Trabalho.
E fez uma campanha rica e impressionante, porque entre seus eleitores havia
pobres universitários comunistas e usineiros deslumbrados, a segui-lo nas
estradas poeirentas das Alagoas, extasiados com a sua intrepidez em ganhar a
qualquer preço.
O
destemor do alpinista, que ou chega ao topo da montanha -
e é tudo seu, montanha e glória - ou morre. Ou como o jogador de pôquer, que
blefa e não treme, que blefa rindo, e cujos olhos indecifráveis Intimidam o
adversário. E joga tudo. E vence. No blefe.
Você, Renan não tem alma, só apetites, dizem. E quem, na política brasileira,
a tem? Quem, neste Planalto, centro das grandes picaretagens nacionais,
atende no seu comportamento a razões e objetivos de interesse público?
ACM,
que, na iminência de ser cassado, escorregou pela porta da renúncia e foi
reeleito como o grande coronel de uma Bahia paradoxal, que exibe talentos com
a mesma sem-cerimônia com que cultiva corruptos?
José
Sarney, que tomou carona com Carlos Lacerda, com Juscelino, e, agora, depois
de ter apanhado uma tunda de você, virou seu pai-velho, passando-lhe a
alquimia de 50 anos de malandragem?
Quem tem autoridade moral para lhe cobrar coerência de princípios? O
presidente Lula, que deu o golpe do operário, no dizer de Brizola, e hoje
hospeda no seu Ministério um office boy do próprio Brizola?
Que
taxou os aposentados, que não o eram, nem no Governo de Collor, e dobrou o
Supremo Tribunal Federal? No velho dizer dos canalhas, todos fazem isso,
mentem, roubam, traem.
Assim,
senador, você é apenas o mais esperto de todos, que, mesmo com fatos gritantes
de improbidade, de desvio de conduta pública e privada, tem a quase
unanimidade deste Senado de Quasímodos morais para blindá-lo.
E um moço de aparência simplória, com um nome de pé de serra - Siba - é o
camareiro de seu salvo-conduto para a impunidade, e fará de tudo para que a
sua bandeira - absolver Renan no Conselho de Ética - consagre a sua carreira.
Não sei
se este Siba é prefixo de sibarita, mas, como seu advogado in pectore, vida
de rico ele terá garantida. Cabra bom de tarefa, olhem o jeito sestroso com
que ele defende o chefe... É mais realista que o Rei. E do outro lado, o
xerife da ditadura militar, que, desde logo, previne: quero absolver Renan.
Que Corregedor!... Que Senado!...Vou reproduzir aqui o que você declarou
possuir de bens em 2002 ao TRE. Confira, tem a sua assinatura:
1) Casa em Brasília, Lago Sul, R$ 800 mil,
2) Apartamento no edifício Tartana, Ponta Verde, R$ 700 mil,
3) Apartamento no Flat Alvorada, DF, de R$ 100 mil,
4) Casa na Barra de S Miguel de R$ 350 mil ..
E SÓ!
Você
não declarou nenhuma fazenda, nem uma cabeça de gado!! Sem levar em conta que
seu apartamento no Edifício Tartana vale, na realidade, mais de R$1 milhão, e
sua casa na Barra de São Miguel, comprada de um comerciante farmacêutico,
vale mais de R$ 2.000.000.
Só aí,
Renan, você DECLARA POSSUIR UM PATRIMONIO DE CERCA DE R$ 5.000.000.
Se você, em 24 anos de mandato, ganhou BRUTOS, R$ 2 milhões, como comprou o
resto? E as fazendas, e as rádios, tudo em nome de laranjas? Que herança
moral você deixa para seus descendentes?.
Você vai entrar na história de Alagoas como um político desonesto, sem
escrúpulos e que trai até a família. Tem certeza de que vale a pena? Uma vez,
há poucos anos, perguntei a você como estava o maior latifundiário de Murici.
E você
respondeu: 'Não tenho uma só tarefa de terra. A vocação de agricultor da
família é o Olavinho.'
É
verdade, especialmente no verde das mesas de pôquer!
O Brasil inteiro, em sua maioria, pede a sua cassação. Dificilmente você será
condenado. Em Brasília, são quase todos cúmplices.
Mas
olhe no rosto das pessoas na rua, leia direito o que elas pensam, sinta o
desprezo que os alagoanos de bem sentem por você e seu comportamento
desonesto e mentiroso.
Hoje
perguntado, o povo fecharia o Congresso. Por causa de gente como você!
Por favor, divulguem para Brasil inteiro para ver se o Congresso cria
vergonha na cara.
Os
alagoanos agradecem.
Thereza
Collor
TEXTO
DE THEREZA COLLOR
Publicado por Mendonça Neto, Jornal Extra - Rio de Janeiro
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