quarta-feira, 1 de junho de 2016

O CONGELAMENTO REAL DO ORÇAMENTO É UMA BOA IDEIA?

Com o título “O Congelamento Real do Orçamento é uma boa ideia?”, eis artigo do presidente do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), Flávio Ataliba. Ele aborda o cenário da economia e suas implicações políticas. Confira:
A nova equipe econômica do presidente interino Michel Temer anunciou, entre as medidas mais importantes, a intenção de se estabelecer uma regra pela qual o orçamento do Governo Federal só poderia aumentar de um ano para outro até o limite da inflação do ano anterior. Ou seja, ele seria, na melhor das alternativas, constante em termos reais ao longo do tempo.
Entende-se a gravidade fiscal que o Brasil apresenta, com uma nova meta fiscal prevista para 2016, de déficit primário na ordem de R$ 170 bilhões, mas devemos analisar algumas implicações dessa medida.
Entre seus principais efeitos, podemos vislumbrar, por exemplo, maiores dificuldades, além das já existentes, em o governo oferecer serviços públicos minimamente satisfatórios, haja vista que, com o crescimento da população, a demanda por serviços vai aumentando, enquanto sua capacidade de oferecê-los tenderá a diminuir.
É bem verdade que parte desses serviços poderia ser atendida pela iniciativa privada, mas devemos reconhecer que certas atividades, que são necessariamente funções de Estado, como Justiça, Fazenda, Defesa Nacional, dentre outras, são mais demandas com o crescimento populacional e da economia. Isso sem falar em outro grande problema que é a capacidade de prover serviços adequados pelo Sistema Único de Saúde, imprescindível para a população mais carente.
Assim, a ideia de introduzir essa regra através de uma Emenda Constitucional coloca na prática o caráter de uma mudança permanente, levando a uma situação inimaginável de redução do tamanho do Estado, como proporção do PIB, ao longo do tempo.
Sabe-se, por exemplo, que a população brasileira está envelhecendo e nesse sentido as despesas per capita com a saúde são naturalmente crescentes, além do que, os preços nessa área evoluem de forma mais acelerada que a inflação oficial. Isso vai implicar que o orçamento da saúde cresça mais rápido que os outros componentes, estrangulando, evidentemente, o direcionamento de recursos para essas rubricas, talvez não menos importantes.
Devemos fazer uma reflexão também a respeito da influência dessa medida sobre as diversas carreiras no serviço público. A maior qualificação dos servidores, aliada aos ganhos advindos com a experiência não seriam mais revertidos em ganhos reais de salários, destruindo assim qualquer sentido de meritocracia, o que seria um grande retrocesso.
Outro problema pode ocorrer se a inflação se acelerar. Isso poderá induzir que algumas rubricas do orçamento, fiquem indexadas a inflação, dificultando ainda mais a capacidade do Governo de gerenciar seu orçamento, especialmente se as receitas caírem abaixo da inflação. Além do que, a regra proposta faria com que o governo perdesse um instrumento de politica, a despesa, abdicando-se por consequência a ideia de meta fiscal, que ajuda a reduzir as incertezas da economia e a trajetória da dívida publica.
Por fim, o que devemos observar na proposta do Governo, entre outros problemas, é que ela implicaria numa redução de forma permanente no tamanho do Estado brasileiro.
Penso que a discussão não deveria ser encaminhada na direção de um Estado mínimo, mas sim sobre o tamanho adequado que pudesse de forma eficiente, atender as necessidades da população. Para tanto, a introdução de mais mecanismos de incentivos no serviço público, aliada a ideia de gestão por resultados, seria uma boa estratégia.
Entretanto, quanto à solução do problema fiscal que precisamos enfrentar, talvez uma alternativa melhor fosse estabelecer uma trajetória crível de meta fiscal para cada ano, até que possa se estabilizar a economia, mas isso precisaria ser negociado com a sociedade dado a gravidade das mudanças que precisam ser discutidas. O momento político atual não ajuda para definições de soluções de mais de longo prazo. Uma campanha presidencial seria o momento adequado.
*Flávio Ataliba,
Professor e presidente do IPECE.