Muita gente se admirou quando Hugo Motta (Republicanos-PB) arrematou o discurso de posse na presidência da Câmara com a frase “ainda estamos aqui”. A clara referência ao filme de Walter Salles, que conta a história da família de Rubens Paiva, deputado federal morto pela ditadura militar, soou como um recado de que a anistia reivindicada pelos bolsonaristas não teria vez na pauta da Câmara dos Deputados.
Os deputados do PT, em particular, comemoraram o acerto em ter apoiado a candidatura do parlamentar de centro-direita. “Ele tem o compromisso conosco de não pautar a anistia e ele dá sinais de que vai cumprir”, apostou a deputada Erika Kokay (PT-DF), em conversa com o PlatôBR . Mas, à medida que Motta se esmera no ciclo de entrevistas às TVs, cresce também a dúvida sobre seus posicionamentos e, mais, sobre como será a vida do governo com o Congresso sob novo comando.
Se antes os governistas estavam animados com o "ainda estou aqui" e os demais gestos de Hugo Motta, os movimentos seguintes dele passaram a ser vistos com certa preocupação. Por exemplo, bateu mal entre eles um trecho da entrevista do novo presidente da Câmara à Globonews nesta terça-feira, 4, em que ele, de certa forma, normaliza argumentos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Vamos tratar esse tema da forma mais tranquila para que ele não se torne ponto de tensionamento que existe hoje entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo", prosseguiu. Na CNN, Motta disse, referindo-se ao projeto de anistia: “Não há decisão de pautar ou não pautar”.
O fato é que Hugo Motta se nega a interditar o debate sobre a anistia e manda para a oposição o sinal de que esse assunto será discutido “com serenidade”. Equilibrar-se nessa dicotomia é uma tentativa de manter sua ascendência sobre os deputados que o apoiaram. Uma aliança tão ampla costuma também ser muito frágil e, para que essa acordo se sustente no tempo e dê a ele facilidade para comandar a Câmara, Motta opta nesse momento por não tender para nenhum dos lados. Se ele tiver que escolher, em algum momento, optará pelo pensamento do Centrão. Nesse ponto, mesmo com os sinais em sentido duplo, petistas acreditam ter feito a escolha correta em apoiar o candidato de Arthur Lira (PP-AL) e apostam que a anistia que poderia favorecer Jair Bolsonaro eleitoralmente não interessa ao grupo.
O deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) aponta qualidades de Motta, mas também identifica sinais que o deixaram em dúvida. “Pela juventude dele, pelo protagonismo dele, ele tem tudo para ser um grande presidente para a estabilidade democrática do país e para fortalecer a independência dos poderes”, disse Hauly ao PlatôBR. Integrante da oposição, o deputado também reclamou de gestos de Motta.
“Ele esteve lá com o presidente Lula e acho que ele exagerou naquele cruzamento de mãos para as fotos. Foi desnecessário. Mas ele é jovem. Só que eu acho que a independência dos poderes passa também por isso”, prosseguiu. Quanto ao projeto de anistia, Hauly é a favor de perdoar os "pequeninhos". Não sou a favor da anistia ampla, geral e irrestrita. Eu entendo que 98% foram massa de manobra”, afirmou
O pensamento de Hauly contrasta com o do líder do PSB, Pedro Campos (PE), que disse confiar que não haverá por parte da nova mesa da Câmara disposição para levar a votação a proposta que prevê a anistia para os condenados pelos protestos de 8 de janeiro de 2023, apesar da barulhenta defesa dos bolsonaristas em cima dessa proposta.
Em um café da manhã com jornalistas nesta terça-feira, Campos ponderou que um processo de anistia, ao longo da história, precisa servir para uma pacificação e que não vê na parte da direita que defende a anistia nenhum desejo de arrefecer os embates ou mesmo a polarização. "O que eles querem é dobrar a meta. Então não dá para se discutir anistia nesses termos."
"A impressão que eu tenho é que a própria mesa eleita tem outras prioridades e, se puder, não pautar essa discussão, não irá pautar", aposta o líder do PSB, que contesta o argumento repetido por bolsonaristas e pelo próprio ex-presidente de que não foi uma tentativa de golpe porque “não tinha tanque na rua”. “Apesar da total inutilidade dos atos daquele 8 de janeiro para resultar em um golpe, havia a clara intenção das pessoas que estavam ali participando daquele ato. Elas juravam que estavam dando um golpe de Estado.”
A proposta livra Bolsonaro da pena imposta pela Justiça Eleitoral e tem o deputado Filipe Barros (PL-PR), aliado do ex-presidente, como relator. Motta também tratou a proposta com naturalidade ao ser questionado e ainda ponderou, na entrevista à CNN, que o prazo de oito anos de inelegibilidade é muito extenso. “Oito anos são quatro eleições. É um tempo extenso na minha avaliação”, disse. A oposição aposta que as mudanças na Lei da Ficha Limpa podem ter um amplo apoio porque não só o PL tem interesse em afrouxar as penas impostas pela Justiça Eleitoral, mas quase a totalidade dos partidos.
Na tarde desta terça, Motta presidiu sua primeira sessão deliberativa e presenciou mais uma performance da oposição, que apresentou cartazes pelo impeachment de Lula. “Ou o Brasil para o Lula, ou o Lula para o Brasil”, estampava um deles. Os deputados bolsonaristas gritavam: “Fora Lula, fora censura, anistia e Bolsonaro 2026”. Motta, como se vê, terá duros embates para administrar.
(Platobr - Luciana Lima)