Contrariando o pensamento de que estariam desinteressados da política, os jovens se mobilizaram e, na reta final do prazo hábil para a votação de outubro, chegaram ao recorde de novos títulos de eleitor. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de dois milhões de brasileiros com 16, 17 e 18 anos se habilitaram para o primeiro pleito — número 47% superior ao de 2018, por exemplo. As informações são do O Globo.
Ouvidos pelo Globo, dez representantes desta faixa etária, de todas as regiões do país, explicaram o que impulsionou a busca pelo primeiro voto: a percepção de que educação e saúde pioraram, a preocupação com a alta de preços e a sensação de que é necessário se engajar na tentativa de ver as agendas prioritárias seguirem adiante — a massificação do uso de tecnologia, por exemplo — são alguns dos motores desse movimento.
Vivendo a quase dois mil quilômetros de distância um do outro, os estudantes Cassiano Aires, de Santa Cruz do Sul (RS), e Luan Silva, morador de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, traçam diagnósticos semelhantes, a partir das experiências de vida distintas. Os dois jovens de 17 anos identificam que a pandemia agravou o quadro dentro de sala de aula. Para Luan, aluno da rede estadual, a falta de professores é uma realidade — “gostaria que os próximos estudantes não passassem por isso”, pontua —, enquanto Cassiano defende uma atuação mais firme contra a evasão escolar.
— É preciso haver maior incentivo, inclusive financeiro, principalmente para quem deixou de ir à escola. Também é necessário levar o estudo para mais perto de quem não tem acesso à internet. Houve um retrocesso muito grande nessa área, assim como na saúde — avalia.
Por ser deficiente visual, o carioca Leandro Dias, também aos 17 anos, percebe a necessidade de maior inclusão no ensino brasileiro. Sua busca, com o voto, é por mais candidatos que tratem desse tema com atenção. Estudante da rede pública, ele relata que “teve sorte”, pois encontrou em seu colégio a assistência necessária, e deseja que essa rede de apoio cresça e seja efetiva também nos casos de outros tipos de deficiência.
No mesmo tema, mas com uma opinião diversa, a mineira Rayane Batista, 17 anos, acredita que um dos principais problemas da educação é a presença das pautas políticas na escola. Para ela, é preciso que a sala de aula seja um local livre de influências e que possa contemplar novas áreas de ensino.
— É preciso proteger nossas crianças, sem influenciá-las em questões que não são necessárias para a idade delas. As escolas hoje não formam seres humanos que pensam, está muito ligada à política. Acredito que deveriam preparar os alunos para o mercado de trabalho e investir no empreendedorismo — afirma.
A recorrência do tema entre os relatos pode ser explicada, de acordo com a pesquisadora Larissa Dionisio, porque a educação diz respeito diretamente à juventude. Ela coordenou o estudo “Jovens no Poder”, do Instituto Update, que buscou entender e dar visibilidade aos jovens que já atuam na política institucional. Larissa diz que é preciso aproximar esse grupo da política, o que só pode ser feito com uma linguagem próxima àquela com a qual estão habituados.
Mobilização nas redes
Esse mecanismo foi usado nos últimos meses, durante a campanha nas redes sociais para que jovens tirassem o título de eleitor. Liderado pelo TSE, o movimento foi encampado por personalidades como a cantora Anitta, com a interação de atores de Hollywood, casos de Mark Hamill, Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio. A adesão ocorreu também entre quem ainda não completou 16 anos, mas alcançará a idade antes de 2 de outubro, data do primeiro turno, a exemplo da cearense Kaylane Monteiro Araújo e da paranaense Amanda Zegli.
— Um motivo para o grande número de novos títulos são as campanhas de mobilização com linguagem mais lúdica, divertida, das redes sociais. Com pautas e agendas importantes para os jovens, mas que não são faladas, normalmente, na linguagem dos jovens. A política é muito densa, cheia de termos jurídicos. Se a gente não tratar a política redesenhando isso, a gente vai afastar a juventude — analisa Larissa.
Um dos pontos abordados na campanha do TSE foi a necessidade de “fortalecimento da democracia”, fator lembrado pela estudante Mariani Venâncio, de 17 anos, moradora de Tambaú (SP).
— A democracia é essencial, eu acredito no direito de escolher. Sou contra a ditadura, por ter sido um período sem direito de expressão e de muita tortura. Tenho estudado sobre isso na escola.
Moradora de Manaus, a indígena Sandy Yusuro, de 17 anos, acrescenta à discussão um ponto conectado diretamente com seu ambiente de convivência. Ela critica a permissividade do atual governo com o garimpo ilegal, questão que atinge o território onde vive povo Sateré-Mawé, do qual faz parte. Além dos impactos de saúde e ambientais, a deterioração do cenário econômico também é uma preocupação.
— Comecei a ver que tinha algo errado quando percebi que, com o dinheiro que ganhava vendendo meu artesanato, não conseguia comprar mais quase nada — afirma, sobre os preços dos alimentos.
Já Eduardo Ely, também aos 17 anos, encara o cenário econômico de outra forma. Ele acredita que a escalada dos preços é fruto da pandemia, mas não perdoa a falta de modernização do país.
— Tem que investir em tecnologia. Hoje em dia, no mercado de trabalho, a tecnologia está muito forte. Quem aprende com métodos arcaicos sofre consequências em relação àqueles que já estão no mercado, principalmente em cidades no interior, que são menos desenvolvidas — avalia.
Há também quem, a partir deste primeiro passo, trace o início de uma caminhada que pode desaguar na participação política por meio de um mandato. Natural de Baía Formosa (RN), Jhone da Silva, 16 anos, é filiado ao PV e almeja, um dia, ser eleito deputado federal:
— Quando eu voto, estou definindo o meu futuro e não entregando nas mãos de outras pessoas. Sempre tive vontade de votar porque, enquanto adolescente, quero garantir os meus direitos. Pretendo que meu voto ajude a mudar o cenário que estamos vivendo no Brasil. O país está desmoronando.