A reforma da Previdência foi considerada constitucional pela CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, mas alguns pontos
ainda podem ser alvos de discussões na Justiça, segundo especialistas, caso a
proposta do governo seja aprovada sem alterações. O UOL conversou com Ivandick
Cruzelles, professor de Direito Previdenciário da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Adriane Bramante, advogada e presidente do IBDP (Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário), e o advogado previdenciário Rômulo
Saraiva, para listar alguns temas da proposta que podem acabar na Justiça.
Confira:
1) BPC (Benefício de Prestação Continuada) - Hoje idosos com 65 anos
ou mais e deficientes de baixa renda recebem um salário mínimo no BPC
(Benefício de Prestação Continuada).
A proposta é que o benefício
seja pago aos idosos de baixa renda a partir dos 60 anos de idade e no valor de
R$ 400. A partir dos 70 anos, o valor passaria para o piso nacional. Para
deficientes de baixa renda, não haveria idade mínima para ter direito, e o
valor continuaria em um salário mínimo. Para Cruzelles, a assistência social tem
por finalidade garantir a vida e promover a integração na sociedade, e com as
alterações isso poderia ser questionado. "As mudanças são uma violação da
dignidade da pessoa pessoa humana, vão reduzir a possibilidade da construção de
uma sociedade mais justa, livre e igualitária e vão prejudicar a redução das
desigualdades sociais e regionais."
2) Capitalização
- O sistema de capitalização está proposto na proposta de reforma, mas os
detalhes de como funcionará virão por lei complementar. Para Cruzelles, não
está claro se as empresas farão a contribuição também, o que pode gerar
questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal). "O texto não está
dizendo que as empresas vão contribuir. Isso pode ser fixado na lei
complementar, quando for criada, mas a única garantia é que quem vai contribuir
para esse fundo é o trabalhador. Nessa sistemática, você quebra a ideia de que
toda a sociedade vai contribuir para o financiamento da seguridade."
3) Aposentadoria de trabalhador rural - A proposta iguala a idade
mínima para homens e mulheres na aposentadoria rural em 60 anos, além de 20
anos de contribuição. Hoje, a aposentadoria rural permite que mulheres se
aposentem aos 55 anos e homens aos 60 anos, além de 15 anos de contribuição.
Saraiva afirmou que nas aposentadorias urbanas a idade mínima da mulher subiu
dois anos, passando dos atuais 60 anos para 62 anos. Para as mulheres rurais, o
aumento foi de cinco anos, passando dos 55 anos para os 60 anos, o que pode ser
contestado. Para Cruzelles, a mudança é um retrocesso social. "A gente
sabe quais são as condições agressivas de quem trabalha no campo. A proposta
deixa os requisitos para aposentadoria mais duros para a mulher do campo. É um
retrocesso social."
4) Aposentadoria especial - A regra de transição para a aposentadoria
especial, para quem trabalha em condições prejudiciais à saúde, pode ser alvo
de discussões, segundo Adriane. Hoje, é possível se aposentar aos 15 anos, 20
anos ou 25 anos de contribuição, dependendo da atividade profissional. A
proposta prevê que, na regra de transição, é preciso atingir uma combinação de
idade e tempo de contribuição, que aumenta a cada ano. Para atividades
prejudiciais que garantem aposentadoria com 25 anos de contribuição, por
exemplo, a pontuação começa em 86 pontos e segue até 99 pontos. Um segurado que
começou a trabalhar com 21 anos em uma atividade insalubre, por exemplo, tem
hoje 45 anos e 24 anos de contribuição e conseguiria se aposentar ano que vem
com a regra atual. Se a proposta for aprovada como está, ele entraria na regra
de transição por pontuação. Ele tem hoje 69 pontos, mas só conseguiria se
aposentar em 2034, quando terá 60 anos. "A transição se quer serve para
quem está a um ano da aposentadoria especial", disse ela.
5) Aposentadoria por invalidez - Saraiva afirmou que a diferença de
cálculo na aposentadoria por invalidez para quem sofreu um acidente de
trabalho, doença profissional ou doença do trabalho pode ter discussão na
Justiça. Para esses casos, o benefício seria de 100% da média salarial de todos
os salários. Para os demais casos, o valor do benefício será de 60% da média
salarial, mais 2% a cada ano que exceder 20 anos de contribuição. "Qual a
motivação para essa diferença? Um acidente de trabalho tem uma relevância maior
do que uma pessoa que descobriu um câncer?", disse o especialista.
6) Pensão por morte - A proposta altera as regras da pensão por morte
e permite que o valor do benefício fique menor do que um salário mínimo. Para
Adriane, o tema poderia ser considerado inconstitucional pela falta de proteção
social que geraria para os dependentes.
7) Proteção
na maternidade - Saraiva afirmou que no artigo 201 da proposta, o governo mudou
o termo "proteção à maternidade, especialmente à gestante" para
"salário-maternidade". Para ele, essa troca no texto pode acabar com
a estabilidade gestacional e o direito à amamentação na volta ao trabalho, por
exemplo. "Se fosse ficar igual, não teria necessidade de mudar o termo. Se
mudou, é porque estão querendo dar um novo destino a essa proteção. Esse
aspecto pode ser motivo de inconstitucionalidade." .
8) Contribuintes facultativos sem auxílio-doença - Segundo Adriane,
hoje, o artigo 201 da Constituição fala dos riscos sociais que a Previdência
cobre, que são eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada. A proposta
muda essa redação e diz que a cobertura será para eventos de incapacidade
temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada. Para Adriane, o fato
de se colocar na Constituição que a proteção é "para o trabalho" pode
ser uma brecha para acabar com a proteção para os facultativos (como donas de
casa, estudantes e desempregados), que contribuem por conta própria e não
exercem atividade profissional. Eles poderiam ficar sem auxílio-doença, por
exemplo.
9) Pontos definidos por lei complementar - Saraiva afirmou que a
proposta do governo abre diversas possibilidades de o texto da Constituição ser
alterado por lei complementar depois da aprovação da reforma. "A proposta
está flexibilizando mudanças na Constituição em demasia. Isso pode ser
questionado por violar a necessidade de se alterar a Constituição apenas por
PEC, principalmente se essas alterações afetam direitos fundamentais",
disse.